'A dengue demorou 20 anos. A zika se disseminou em um'

Pesquisador estará em reunião na OMS na Suíça e ratifica a necessidade de alerta ante a velocidade de propagação do vírus

PUBLICIDADE

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabiana Cambricoli
Atualização:
O mosquito 'Aedes aegypti' é transmissor do zika, da dengue e da chikungunya Foto: James Gathany/CDC/AP

SÃO PAULO - Pesquisador do Instituto Evandro Chagas, órgão vinculado ao Ministério da Saúde referência em doenças tropicais, o médico Pedro Fernando da Costa Vasconcelos será um dos representantes do Brasil na reunião da próxima segunda-feira, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) deverá decretar emergência internacional por causa do zika vírus. Em entrevista ao Estado, o especialista afirma que, frente à velocidade com que o vírus vem se disseminando pelo continente americano, é natural que a organização decrete esse nível de alerta.

PUBLICIDADE

O senhor acredita que a OMS vai decretar emergência internacional por causa do zika na próxima segunda-feira?

O zika tem surpreendido a todos no mundo pela forma com que chegou, se estabeleceu e se disseminou pelo continente. As ocorrências de abortos, natimortos e crianças com má-formação congênita grave levam a um quadro de difícil controle no mundo, não só no Brasil. Para complicar, esse vírus está se disseminando em uma velocidade nunca vista anteriormente, nem para a chikungunya nem para a dengue. A dengue demorou quase 20 anos para se disseminar pelas Américas. O zika, em um ano, basicamente, já se disseminou por 24 países. Em torno de 350 milhões a 400 milhões de pessoas estão sob risco desse vírus. E não se vê uma maneira de frear. Então, podemos dizer que existem chances muito grandes de isso se tornar uma emergência internacional.

E o que explica essa disseminação tão rápida do zika vírus?

Acho que pode ser a adaptabilidade do vírus ao vetor. A espécie do mosquito Aedes aegypti tem diversas linhagens populacionais e é possível que a atual linhagem que está circulando no Brasil seja a que mostrou melhor capacidade de ter a receptividade do vírus e a transmissibilidade para os humanos. Mas isso ainda é uma hipótese, uma especulação. Estudos mais aprofundados estão sendo feitos.

O que muda para os países se a OMS decretar emergência internacional?

Serviria tanto como um alerta para os países se protegerem quanto para os ministérios tomarem atitudes mais drásticas no combate vetorial ao Aedes aegypti. Temos de lembrar que, embora o zika tenha toda essa questão, o número de mortos por dengue é muito maior. Ela causa 50 mil mortes por ano no mundo, isso não pode ser esquecido. Mas muito da questão vinculada ao zika é o custo que os países e as famílias vão ter para manter essas crianças. Isso tem uma repercussão muito grande no aspecto emocional e um custo elevadíssimo.

Publicidade

Que informações serão apresentadas na reunião?

Provavelmente será traçado um panorama da situação atual e as perspectivas em termos futuros, ou seja, o que pode resultar dessa disseminação do vírus zika nas Américas a partir da exportação de vírus para outros continentes, principalmente a Europa, que tem o Aedes aegypti e o Aedes albopictus, que podem transmitir zika. Vamos apresentar alguns achados que apontam a ligação do zika com a microcefalia. Em novembro, nós aqui do Instituto Evandro Chagas detectamos o vírus zika no tecido de uma criança que nasceu e, em seguida, morreu com a microcefalia. A partir desse relatório, tem vários outros resultados que reforçam esses achados em outras crianças analisadas.

O que podemos prever para o próximo verão no Brasil?

Na última vez que olhei as estatísticas, 19 Estados brasileiros já tinham transmissão local do zika vírus. Se consideramos a população desses Estados sob risco, temos algo em torno de 150 milhões de pessoas. Considerando que no ano passado tivemos 1,5 milhão de casos, ainda temos 148,5 milhões de pessoas suscetíveis à doença. Então existe uma perspectiva de termos números iguais de infectados agora.  

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.