As histórias de quem teve a vida modificada pelo surto de Ebola

Eles cuidam de doentes em uma clínica na Libéria rural; entre as atividades diárias, a alguns resta apenas rezar

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Por Daniel Berehulak
Atualização:

SUAKOKO, LIBÉRIA - Os pacientes chegam, com medo das pessoas usando trajes espaciais cujos rostos não podem ver. Eles aguardam resultados de exames, as próximas rodadas médicas, o surgimento ou desaparecimento de sintomas. Observam os que se recuperam sentar-se no pátio sombreado; outros, não. Eles rezam.

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Os trabalhadores oferecem remédios, refeições, doces e conforto. Eles tentam fazer os pacientes sorrirem. Com extremo cuidado, começam a aplicar injeções intravenosas. Espalham cloro vezes sem conta, cavam túmulos. Eles rezam.

Estas são as pessoas em uma clínica de Ebola na Libéria rural. Dirigida pela organização humanitária americana International Medical Corps, a clínica foi erguida em setembro em uma floresta tropical. Agora emprega mais de 170 trabalhadores, um misto de moradores locais e estrangeiros, alguns voluntários.

Há operários tentando ganhar dinheiro para suas famílias, estudantes universitários ajudando porque o Ebola fechou suas escolas, e médicos americanos que, após anos estudando os surtos, estão vendo os estragos do Ebola ao vivo pela primeira vez. Trabalham para um tempo depois do Ebola. Confira suas histórias.

Sophie Jarpa, Mabel W. Musa e Ben Espinosa Foto: The New York Times

Sophie Jarpa, de 25 anos, agente de segurança (à esquerda na foto acima)

Sophie Jarpa é responsável pelo monitoramento dos trabalhadores quando eles vestem e tiram o equipamento de proteção. Ela foi inspirada a trabalhar na clínica depois que sua amiga e colega de classe na universidade morreu de Ebola. Sua universidade está fechada em razão do surto. "Perdi um sobrinho. Na época, para ser muito franco, nós não acreditávamos que o Ebola existia, por isso estávamos fazendo as coisas com aquela ignorância. Ele nem chegou a ir a um centro médico. Eu peguei este emprego para participar do processo de combate do Ebola na Libéria. Estou feliz de prestar meus serviços a minha própria gente. E me sinto feliz quando eles são curados nesta unidade de Ebola. Sinto orgulho."

Mabel W. Musa, de 27 anos, enfermeira de ambulância (no centro na foto acima)

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Mabel Musa perdeu sua amiga mais íntima e vários colegas de seu trabalho anterior para o Ebola. Ela acredita que trabalhar na clínica a tornou uma enfermeira melhor. "Todo dia quando eu venho para o trabalho, eu rezo. No começo, eu tinha muito medo. Mas agora decidi que ter medo não ajudará. Tudo que é preciso fazer é ser mais cuidadoso com tudo."

Ben Espinosa, de 22 anos, vice-comandante, microbiologista de Frederick, Maryland (à direita na foto acima)

Com a rápida devolução dos testes, o comandante Espinosa e sua equipe tentam reduzir as chances de que um paciente que não tenha a doença seja infectado por permanecer na ala para casos suspeitos de Ebola. Espinosa, que chefia as operações na Diretoria de Pesquisas de Defesa Biológica da Marinha, é casado e tem quatro filhos com idades de 7 a 20. "Quando eu entro, converso com eles, pergunto o que estão fazendo, como estão se sentindo, onde sentem dor. Eles precisam de amor. Precisam de tranquilidade. Para os que creem em Deus, é preciso lhes dizer para terem fé em Deus. Comer bem. Tomar muita água. Você pode conversar mansamente, esfregar suas costas, segurar sua mão. Você gostaria de tirar a máscara para que eles vissem que você está sentindo o que eles estão passando. Mas não pode."

Moses Tarkulah, Yarmah J. Cooper e Jean P. Dolo Foto: The New York Times

Moses Tarkulah, de 29 anos, pulverizador (à esquerda na foto acima)

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Moses Tarkulah concluiu o ensino secundário recentemente e estava procurando trabalho antes do surto de Ebola. Ele desinfeta as áreas de alto risco da clínica, incluindo os corredores, banheiros e o lixo. Quando alguém morre, borrifa o cadáver antes de ele seguir para o necrotério. "Gosto de procurar os pacientes e interagir com eles, dar-lhes esperança. Quando estou em casa, sinto que não estou fazendo a coisa certa. Assim em alguns dias que estou de folga, eu volto e digo alô para os pacientes - só para lhes dar coragem de que ainda há vida para eles, que eles podem sair."

Yarmah J. Cooper, de 30 anos, supervisora de lavanderia (no centro na foto acima)

Cooper estava estudando agricultura quando o Ebola provocou o fechamento da sua universidade. Ela tem dois filhos, de 3 meses e 14 anos, e seu noivo também trabalha na clínica. No futuro, ela pensa em retomar os estudos e cultivar arroz, batata e mandioca. "Minha mãe tinha medo de eu vir ao centro de Ebola. Ela ficou em pânico. Eu disse, ´Mamãe, se nós ficarmos sentados e ninguém se apresentar para combater o Ebola, o que será da Libéria? Nós vamos morrer do vírus. Você pode morrer do Ebola, eu posso morrer do Ebola, minha irmã pode morrer do Ebola, e até meu papai. É melhor a gente se apresentar como voluntário para ser treinada e combater o vírus`. Ela se convenceu, e me deixou. Mas o tempo todo fica me dizendo para eu ter cuidado."

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Jean P. Dolo, de 44 anos, coveiro (à direita na foto acima)

Antes do surto de Ebola, Dolo era motorista de táxi, mas o trabalho minguou quando a epidemia começou. Um benefício de trabalhar na clínica, ele acredita, é que receberia tratamento rapidamente se caísse doente. Dolo é casado e tem quatro filhos. "Vim aqui para lutar pela sobrevivência, Você vê seus amigos caindo, caindo. Observa pessoas sendo enterradas diariamente, De você não tem coração, perde a esperança. Mas por pior que fosse a situação em que estávamos, Deus conseguiu me guiar por ela. Durante as três semanas, eu me revigorei fazendo exercícios. Eu corria pelo lugar. Lia a Bíblia. Orava. E foi assim que eu fui voltando, pouco a pouco, até agora."

Genesis Sackie, Albert Nimely e Junior Samuel Foto: The New York Times
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Genesis Sackie, de 30 anos, sobrevivente do Ebola (à esquerda na foto acima)

Genesis Sackie, um professor de estudos sociais e artes da linguagem, contraiu o Ebola de seu irmão, que morreu. Depois de receber alta, ele pretendia sobretudo estar com seus filhos de 1, 3 e 9 anos de idade. "Todo dia, pessoas, morrem desta doença chamada Ebola. Isso me machuca muito, Às vezes, quando entro lá e vejo um paciente deitado, eu o encorajo. Eu digo, você precisa rezar, recuperar suas forças. Não olhe para nós porque estamos carregando um corpo. Precisa tirar isso da sua mente, Eu digo a eles que a doença pode acontecer com qualquer um, não é falta sua."

Albert Nimely, de 18 anos, supervisor de sepultamento e higienista (no centro na foto acima)

Antes do surto, Albert Nimely jogava na seleção nacional de futebol sub-20 da Nigéria. Seus sonhos para o futuro incluem jogar futebol profissional internacionalmente, trabalhar na Internacional Medical Corps e se tornar um especialista em tecnologia da informação. "Quando cheguei, eu estava muito fraco. Estava me sentido miserável. Tomava meu remédio e sempre ouvia os patrões, as pessoas maiores que estavam lá, Isso me encorajava.

Junior Samuel, de 8 anos, sobrevivente do Ebola (à direta na foto acima)

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O Ebola matou os pais de Junior, e agora seu tio e sua tia cuidarão dele. Quando recebeu alta, ele estava ansioso para ver seus irmãos. "Eu sou o cara que mata o vírus. Quando ele é trazido ao nosso laboratório, vem primeiro para mim. Meu trabalho é inativá-lo . E se eu der mancada, coloco em risco meus colegas. De modo que não posso errar, nunca. Há pessoas que não se recuperam, mas há pessoas que sim. Posso observar pessoas melhorarem pelos resultados dos testes, apesar de nunca as ter encontrado, de nunca as ver."

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