Cercado por polêmicas, etíope é o primeiro africano a assumir a OMS

Com voto brasileiro, Tedros Adhanom Ghebreyesus foi eleito, mesmo acusado de esconder surtos de doenças

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Por Jamil Chade
Atualização:

GENEBRA - Pela primeira vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) será dirigida por um africano. Nesta terça-feira, 23, o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus foi eleito para a direção da agência mundial da saúde. O Brasil e os países emergentes, em peso, votaram a seu favor. 

O etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus foi ministro da Saúde do país africano entre 2005 e 2012 Foto: Fabrice Coffrini/AFP

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Ministro etíope, ele concorria contra o inglês David Nabarro e a paquistanesa Sania Nishtar. Mas o africano estava sendo duramente criticado por ativistas de direitos humanos e ongs. Seu país é um dos regimes autoritários do continente africano e Adhanom foi seu chanceler de 2012 a 2016. Antes, foi ministro da Saúde.

Na contagem final de votos, ele ficou com 133 dos 185 apoios possíveis. Sua vitória ainda foi interpretada como um sinal de reprovação à atual gestão da entidade. Nabarro, que ficou em segundo lugar, era um “homem do sistema”, apoiado pelos funcionários da entidade e com décadas de conhecimento sobre como a instituição funcionava.

Adhanom, em sua plataforma, promete dar mais atenção e recursos para países em desenvolvimento, além de descentralizar o controle da entidade entre as regiões, algo que agradou o Brasil. “Não vou chegar e dizer o que um governo precisa fazer. Vou primeiro ouvir”, prometeu. 

Apoiadores do etíopeTedros Adhanom Ghebreyesus fazem campanha na frente do escritório das Nações Unidas em Genebra, na Suíça Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Ele assume uma entidade em uma séria crise de recursos e de imagem, com governos hesitantes em fazer doações para programas da OMS.Mas ele insiste que sua prioridade é garantir acesso à saúde para todos. “Para metade do mundo, acesso à saúde ou tratamento significa o empobrecimento da família”, disse.

Pesou o fato de que, desde 1948, jamais um africano liderara a agência de Saúde da OMS. Ele ainda se apresentava como uma pessoa que transformou a saúde de seu país, enquanto foi ministro dessa pasta entre 2005 e 2012. Ele insiste foi, durante seu mandato, 3,5 mil centros de saúde foram criados no país, reduzindo a mortalidade infantil em dois terços e uma queda de 90% nas novas infecções de Aids. 

Denúncias

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as assumindo uma entidade com sua credibilidade duramente afetada, o africano passou a ser alvo de duros ataques. Entidade como a Human Rights Watch o recriminam por fazer parte do núcleo duro do regime autoritário do país, acusado de violações de direitos humanos e repressão pela própria ONU. Um grupo de 20 entidades escreveram para a OMS pedindo que seu nome não fosse considerado. 

Sua campanha ainda contou com acusações de que ele tentou abafar três epidemias de cólera, enquanto foi ministro da Saúde. 

Documentos obtidos pelo Estado ainda revelam que o Fundo Global para Aids, Tuberculose e Malária constatou irregularidade nos recursos que enviou para seu ministério e ordenou que US$ 7 milhões fossem devolvidos. Um hospital que seria construído com o dinheiro da entidade internacional ainda registrou um salto nos custos de 54%.

Ao Estado, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, explicou que a opção do Brasil pelo africano foi baseada em sua visão para a OMS. “Ele é uma pessoa que nos interessa, por nossa relação com a África”, disse. A reportagem apurou que o governo espera que o etíope abra vagas na direção da entidade para brasileiros. 

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“Eu conversei com todos os candidatos. Eu achei que ele era a pessoa que estava mais alinhada com a visão que temos de como a OMS deve atuar”, disse o ministro. Um dos pontos que interessou ao Brasil ainda era sua intenção de descentralizar o poder da agência, permitindo que iniciativas regionais, como a OPAS possa assumir parte do trabalho. “Ele vai nos ajudar a ouvir os órgãos regionais e tomar a decisão com quem está no chão”, disse. 

Outro ponto que interessa ao Brasil é o de manter a influência na África e, para isso, precisa também mostrar solidariedade com candidatos para postos internacionais. Nesta segunda-feira, os países lusófonos ainda assinaram uma carta conjunta solicitando que o novo diretor, seja quem for, considere a possibilidade de incluir o português como língua de trabalho na OMS.