Comissão da Câmara aprova projeto que autoriza cultivo de maconha para fins medicinais

Ainda estão sendo discutidos os destaques; quando esse processo for concluído, texto seguirá para apreciação do plenário

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Por Marcelo de Moraes
Atualização:

BRASÍLIA - Por apenas um voto de diferença, foi aprovado na Comissão Especial da Câmara nesta terça-feira, 8, o projeto de lei que autoriza o cultivo de maconha no Brasil para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais. Com a bancada bolsonarista se opondo fortemente à proposta, a votação terminou empatada em 17 a 17. O desempate acabou sendo feito pelo voto do relator do texto, deputado Luciano Ducci (PSB-PR), como prevê o regimento da Casa. Agora, o projeto segue para a discussão no plenário da Câmara.

Na prática, o resultado representa uma derrota para os bolsonaristas, que encaram a discussão de forma ideológica, avaliando que o projeto pode abrir caminho para a legalização do uso recreativo da maconha. Essa posição foi rebatida, durante a sessão, pelos defensores do texto.

No Brasil, remédios à base de canabidiol podem ser adquiridos por meio de importação mediante receita médica e aprovação da Anvisa. Foto: Anthony Bolante/Reuters

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Aprovado na forma do substitutivo apresentado pelo relator Luciano Ducci ao texto original do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE) e de um apensado, o projeto legaliza o cultivo da cannabis, mas impõe restrições. Como não há previsão para cultivo individual, o plantio somente poderá ser feito por empresas, associações de pacientes ou organizações não governamentais. Ou seja,  pessoas jurídicas. Além disso, seguem proibidos cigarros, chás e outros itens derivados da planta.

A bancada governista planeja, agora, pressionar politicamente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que a proposta demore a ser colocada em pauta. Se isso não for possível, tentarão ganhar tempo para buscar a formação de maioria para derrubar ou alterar o projeto.

Em 2019, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) já tinha barrado a liberação do plantio com finalidade medicinal. Na época, ainda como diretor da agência, o atual presidente da Anvisa, almirante Antônio Barra Torres, relatou a proposta. Ele autorizou a importação dos remédios feitos com base na cannabis, mas derrubou a autorização para o plantio. Muito próximo ao presidente Jair Bolsonaro, acabou nomeado como presidente da Anvisa. 

Ele justificou seu voto, na ocasião, argumentando que a decisão sobre o assunto não podia ser tomada por uma agência reguladora, mas sim pelo Congresso. O plantio acabou não sendo aprovado e os defensores da proposta não têm dúvidas de que a Anvisa barrou a iniciativa por pressão do presidente Bolsonaro e de seus aliados.

O uso da cannabis com fins medicinais tem sido feito, por exemplo, nos tratamentos para Alzheimer, Parkinson, epilepsia, câncer, dores e convulsões, entre outros. O deputado Alex Manente (Cidadania-SP) lembrou, na sessão, que alguns desses medicamentos têm preço variando entre R$ 2 mil a R$ 3 mil. E que o projeto deverá proporcionar uma redução ampla desse custo.

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“Votar essa matéria é extremamente importante para o Brasil. É baratear o acesso a milhares de famílias que não têm condições de comprar”, diz Manente.

Com a liberação do plantio para fins medicinais avançando sua tramitação no Congresso, a avaliação dos parlamentares defensores do projeto é que se joga mais ciência em torno desse tema. E que isso poderá impedir a repetição do que ocorreu no início do ano, quando a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) teve suspensa sua autorização para cultivar maconha e produzir medicamentos para cerca de 14 mil pacientes para o tratamento de Alzheimer, epilepsia, autismo e Parkinson. Responsável pela suspensão, o desembargador Cid Marconi, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) acabou recuando da medida, depois de acompanhar o trabalho feito pela Abrace.

Durante a sessão desta terça-feira, deputados alinhados com o presidente Jair Bolsonaro, como Osmar Terra (MDB-RS), seguiram mantendo a posição contra o projeto, afirmando que a votação do texto representa mais um passo para a liberação do uso da maconha no País.

“Nós vamos votar contra no plenário. E eu quero alertar para toda a população brasileira, e que vai receber informação através da rede, que o que está se votando aqui, na prática, com a desculpa de ajudar algumas pessoas doentes, é a legalização e a oferta gigantesca de maconha para a população. Principalmente, para os jovens, que vão ter seus cérebros danificados para sempre. A maconha causa danos permanentes. Então, é muito importante a população saber que o que está se virando aqui é isso. O resto é conversa fiada”, disse Osmar Terra, que é suspeito de integrar o chamado gabinete paralelo, que teria ditado normas negacionistas no combate da pandemia do coronavírus.

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Os defensores da projeto rebateram as críticas feitas por Terra e pelos outros parlamentares bolsonaristas. Reclamaram também do excesso de “fake news durante a longa e tensa discussão travada na Comissão Especial.

“Esses negacionistas que defendem a cloroquina vão continuar com seu discurso falacioso, enquanto nós vamos continuar defendendo a ciência”, afirmou o deputado Rafael Motta (PSB-RN).

“Foram meses de trabalho, de aprendizado, mas também de fake news e de muitos ataques. Fico feliz que prevaleceram a ciência, a verdade, e a justiça, porque quem precisa de remédios tem de ter acesso”, acrescentou o relator Luciano Ducci.

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