Contra microcefalia, Nações Unidas pedem liberação do aborto na América Latina

Propagação do zika vírus justifica implantação das políticas de controle de natalidade, diz Alto Comissariado da organização

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Por Tania Monteiro , Isadora Peron , Andrei Netto e Jamil Chade
Atualização:

PARIS - Em uma declaração sobre o impacto da crise para os direitos das mulheres, o Alto Comissário de Direitos Humanos das Nações Unidas, Zeid Al Hussein, apelou a países afetados pelo vírus que permitam que mulheres tenham acesso a métodos contraceptivos e ao aborto. Para a ONU, governos não podem simplesmente pedir que as mulheres não engravidem, sem garantir o acesso aos serviços adequados. “Como é que essas mulheres podem não engravidar e, ao mesmo tempo, sem contar com a possibilidade de interromper a gravidez?”, questionou a porta-voz da ONU para Direitos Humanos, Cecile Pouilly.

Ao Estado, membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicaram que os técnicos estão fazendo um levantamento sobre o impacto da microcefalia em leis de aborto. Mas, por enquanto, a entidade se recusa a adotar uma postura sobre o assunto. A OMS ainda vem alertando que não cabe a um governo sugerir que uma mulher engravide ou não, diante da presença de um mosquito.

O mosquito 'Aedes aegypti' é transmissor do zika, da dengue e da chikungunya Foto: James Gathany/CDC/AP

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Mas o segmento de direitos humanos da ONU decidiu se pronunciar. Para Zeid, o apelo dos governos pelo adiamento de gravidez “pouco significa” em países com acesso restrito aos serviços de saúde, aborto ou preservativos. “Leis e políticas que restringem o acesso às mulheres para esses serviços (aborto e contraceptivos) precisam ser urgentemente revistos.” 

Sem discussão. A declaração vem justamente no momento em que o governo brasileiro não quer fomentar esse debate. Indagado, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, limitou a lembrar que “a lei (brasileira) proíbe aborto” para casos de bebês com microcefalia. “A posição do Ministério da Saúde é pela defesa da legalidade.”

Para o ministro, só se houvesse mudança na legislação, o que depende do Congresso Nacional, poderia existir alternativa. Já um ministro do Palácio do Planalto disse ao Estado que o governo não vai entrar na discussão sobre a legalização do aborto. Segundo ele, neste momento é “impensável” enfrentar um debate tão polêmico, já que a presidente Dilma Rousseff passa por uma crise tanto política quanto econômica.

Repercussão. Historicamente em lados opostos no debate sobre a liberalização do aborto, Igreja Católica e movimento feminista divergiram também na hipótese de a prática ser permitida em casos de microcefalia. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou em sua página na internet um artigo do bispo auxiliar de Porto Alegre, d. Leomar Antônio Brustolin, em que considera que “o aborto, sobretudo nos casos de gestação de criança portadora de patologias, torna-se a prova real de desrespeito com todo o gênero humano”.

Para o movimento feminista, a proibição da prática fere a autonomia das mulheres, sobretudo das mais pobres. “O aborto é livre para quem tem dinheiro. O grande problema dessa epidemia de microcefalia é que o ônus recai em todos os sentidos sobre a mulher pobre: ela não pode ter controle sobre o corpo e é ela quem terá mais trabalho para dar atenção ao filho com deficiência”, diz Sonia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista e da Marcha Mundial das Mulheres.

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Procurados, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) não comentaram. A Febrasgo informou que os médicos se reunirão nos próximos dias para definir qual será a posição da entidade. / COLABOROU FABIANA CAMBRICOL

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