Corte de médicos já afeta atendimento em unidades da Santa Casa na capital

Após 184 demissões do corpo clínico para conter crise financeira, pacientes relatam problemas; faltam profissionais em pronto-socorro da zona norte, cirurgias são remarcadas em Hospital Central e leitos foram fechados em posto psiquiátrico

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

Pacientes dos hospitais mantidos pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo já sentem o impacto das 1.400 demissões feitas na instituição na semana passada. A diminuição do quadro fez unidades interromper o atendimento em algumas especialidades e fechar leitos. Com dívida de R$ 800 milhões, a instituição considera as dispensas estratégia fundamental de seu plano de reestruturação. O corte na folha de pagamento evitaria o fechamento do maior complexo hospitalar filantrópico do País, mas é visto com preocupação por pacientes e funcionários.

O Estado visitou, entre quarta e sexta-feira, três das principais unidades de saúde mantidas pela Santa Casa. A pior situação foi observada no Hospital São Luiz Gonzaga, no Jaçanã, zona norte, unidade municipal administrada pela entidade. O contrato foi assinado em 2008 com a Prefeitura.

Hospital São Luiz Gonzaga demitiu todos os ortopedistas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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De acordo com o Sindicato dos Médicos (Simesp), a unidade foi a que sofreu o maior corte porcentual de médicos. Dos cerca de 200 profissionais que atuavam ali, 52 foram dispensados. Consideradas todas as unidades da Santa Casa, foram 184 médicos demitidos. Com as dispensas, o pronto-socorro do São Luiz Gonzaga deixou de ter ortopedistas. A unidade é referência na área para toda a região por receber acidentados da Via Dutra e da Rodovia Fernão Dias, próximas do local. Agora, pacientes com suspeita de fraturas ou torções que chegam à instituição são orientados a procurar outro local, como o Pronto-Socorro de Santana, também na zona norte.

Foi essa a sugestão dada pelas atendentes do hospital ao pintor V., que procurou a unidade na quarta-feira à tarde mancando, com fortes dores no tornozelo. “Estava trabalhando e caí da escada, de uma altura de 3 metros. Agora vou ter de me virar. A saúde no Brasil é isso aí”, disse ele, após ser informado de que o pronto-socorro não tinha mais ortopedistas.

Com dores na perna esquerda, o pedreiro Roque do Nascimento Fonseca, de 43 anos, procurou o hospital na sexta-feira em busca de um ortopedista, mas foi orientado a passar por um clínico para que o médico apenas prescrevesse um remédio para dor. “Quebrei o fêmur há alguns anos e usei pinos. De uns três dias para cá, a dor na região ficou muito forte. Não estou aguentando trabalhar”, disse ele, que esperava havia três horas por atendimento.

Segundo funcionários, o hospital tinha nove ortopedistas e todos foram demitidos. O setor antes ocupado pela especialidade está fechado. Consultórios e salas de gesso estão vazios.

As demissões no São Luiz Gonzaga também provocaram o encerramento do atendimento ambulatorial de oftalmologia, reumatologia e neurologia. Foram fechados também um ambulatório para crianças autistas e a UTI adulto.

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De acordo com uma funcionária que não quis se identificar, pelo menos 39 leitos da unidade foram desativados com as demissões: 18 na clínica médica, 13 na ortopedia e 8 de UTI. “Mesmo quem fez cirurgia aqui na oftalmologia, por exemplo, não está podendo fazer o retorno porque não tem mais médico”, disse uma funcionária do ambulatório.

 Foto: Infográficos/Estadão

Mais problemas. No Hospital Central, em Santa Cecília, o impacto no atendimento é menor, mas sentido pelos pacientes. Portador de insuficiência renal, um auxiliar de manutenção de 27 anos disse que as sessões de hemodiálise feitas na unidade têm atrasado até uma hora por causa da redução do quadro.

“São 12 pacientes por turno e as auxiliares de enfermagem têm de limpar as máquinas, acomodar todo mundo. Eu não tenho do que reclamar em relação à qualidade do atendimento, mas a gente vê que elas estão sobrecarregadas. Antes, a gente chegava e tinha oito atendentes. Agora, tem só a metade”, disse ele.

O presidente do Simesp, Eder Gatti, afirmou que o setor de transplantes de fígado também foi prejudicado. “Eram oito médicos na equipe e seis foram demitidos.”

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Cirurgias eletivas - não urgentes - estão sendo adiadas em alguns casos. Uma paciente relatava na enfermaria do hospital que sua operação de hérnia foi transferida do dia 7 para o dia 22. Dos 106 médicos demitidos no Hospital Central, 15 são anestesiologistas.

Redução de leitos também foi registrada no Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Vila Mariana, na zona sul, outra unidade administrada pela Santa Casa e visitada pelo Estado. Segundo funcionários, seis psiquiatras foram demitidos e o número de leitos, reduzido pela metade. Um trabalhador da unidade contou à reportagem que, com as dispensas, uma ala foi fechada e passaram a ficar internados no mesmo espaço tanto pacientes dependentes químicos quanto portadores de outros transtornos psiquiátricos.

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