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Especialistas apoiam alerta da OMS, mas cobram pesquisa

‘Não adianta fingir que está fazendo alguma coisa se realmente não está’, destaca professor da Faculdade de Saúde Pública da USP

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Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

Para especialistas em infectologia, neurologia e saúde pública ouvidos pelo Estado, a rapidez com que o zika vírus se disseminou pelas Américas e a explosão do número de casos de microcefalia no Brasil justificam a decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) em decretar emergência internacional. Para ter algum impacto real sobre o problema, no entanto, a medida deverá vir acompanhada de ações práticas, como investimento em pesquisas.

Para Marcelo Masruha, presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a decisão da OMS é “extremamente acertada”, levando em consideração o impacto social e econômico de milhares de crianças com graves deficiências. “Claro que uma doença com alta letalidade como o ebola assusta muito, mas agora temos uma situação igualmente grave que é um grupo muito grande de crianças com sequelas sérias, que terão de ser acompanhadas pelo restante da vida. Isso afeta a vida da criança e da família e tem um grande impacto sobre o sistema de saúde”, diz ele.

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De acordo com o especialista, o fato de o vírus estar disseminado em outros países e bater à porta das nações ricas foi o grande responsável por fazer a comunidade internacional agir mais rápido. “O fato de a doença ter se internacionalizado fez os países ricos ficarem com medo também e cobrarem dos cientistas rapidez nas pesquisas para o desenvolvimento de vacinas, por exemplo. Isso pode ser uma coisa boa, porque se o mundo não estivesse em alerta, se a comunidade internacional julgasse isso um problema apenas do Brasil, essas pesquisas infelizmente iam demorar muito mais”, diz ele.

Para o infectologista e imunologista Esper Kallas, professor da Universidade de São Paulo (USP), a decisão de decretar emergência mundial é complexa porque, dependendo do caso, pode ser considerada exagerada ou mesmo negligente. No caso do zika, diz ele, a decisão parece equilibrada. “O exemplo do exagero foi o caso da gripe H1N1, em 2009, no qual a OMS fez um alarde e depois descobriu-se que não era algo tão grave assim”, observou. “Por outro lado, no caso do ebola, a organização pecou por não perceber logo a magnitude do problema. Criar um comitê de emergência para o zika é plenamente útil para a gente entender cada vez mais o processo, o que significa o vírus e sua relação com más-formações, e não transformar isso em um novo ebola”, diz.

Kallas defende que o alerta dado pela organização impulsione pesquisas no desenvolvimento de exames eficazes e mais baratos para detectar o vírus e leve ao aprimoramento do sistema de notificação dos países. “Essa explosão de casos mostrou que temos grandes falhas nos critérios diagnósticos e no sistema de notificação”, comentou o infectologista.

Hora da vacina. De acordo com Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, se a decisão da OMS não significar avanços nas pesquisas, ela não terá servido para nada. “Apenas decretar emergência não significa muita coisa, se não tiver ações concretas. Seria apenas uma resposta da OMS frente ao receio de ser acusada de negligente no futuro”, afirma. “Não adianta fingir que está fazendo alguma coisa se realmente não está. Agora é a hora de procurar uma vacina contra o zika e testar estratégias novas de combate ao Aedes, como o mosquito transgênico”, completa o especialista.

O recém-nascido pode morrer ou apresentar sequelas graves, como dificuldade de visão e audição, além de retardo mental. Foto: EFE/Percio Campos
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