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Instituições para idosos em São Paulo têm duas primeiras mortes

Levantamento do MPE mostra 29 casos suspeitos da doença e 15 confirmados em 17 entidades; públicas tiveram visitas suspensas

Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy
Atualização:

A consultora Lúcia Helena de Palma tem apenas um tablet para conversar com a mãe, Leonor, de 89 anos. Há quase um mês, elas não podem se abraçar. “Tá tudo bem filha, mas quando você vem me buscar?” Nas quase diárias videoconferências, essa pergunta sempre surge. “É um aperto no coração”, conta Lúcia. Seu drama começou no dia 19 de março, em razão da crise provocada pela pandemia de covid-19, que provocou a restrição das visitas nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) do País. 

Sepultamento no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, de vítima com suspeita de coronavírus Foto: FELIPE RAU/ESTADAO

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A situação de Lúcia é semelhante a de familiares dos outros cerca de 10 mil idosos mantidos em instituições em São Paulo. A cidade registrou nesta semana as primeiras duas mortes confirmadas por covid-19 nas ILPIs. Ao todo existem ainda quatro casos suspeitos. Levantamento feito pelo Ministério Público Estadual (MPE) mostra que em 678 estabelecimentos públicos, privados e filantrópicos existem 29 casos suspeitos da doença e 15 confirmados em 17 instituições.

Desde 14 de março, as ILPIs públicas tiveram as visitas suspensas. A Prefeitura informou que “na impossibilidade de garantir esta estrutura para o atendido com sintomas, diagnóstico ou em tratamento para o novo coronavírus, o serviço deverá informar imediatamente a Supervisão Assistência Social ou a Coordenação de Pronto Atendimento Social”.

“A situação é muito preocupante. Estamos acompanhando e fiscalizando para que ela não se torne dramática como em outros países”, afirmou a promotora Cláudia Maria Beré, da Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos – Área da Pessoa Idosa, do MPE. A cada dois dias, a promotora recebe relatórios sobre a evolução dos casos nas instituições paulistanas. “A maioria das ILPIs tem enfermeiros”, disse. Das instituições paulistanas, 14 são públicas (480 vagas) e pouco mais de 50 são filantrópicas. As demais são particulares. “Algumas delas terão muita dificuldade para enfrentar a pandemia, principalmente para isolar casos suspeitos.”

Lúcia Helena conversacom a mãe, Leonor, de 89 anos Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Lúcia, que tem a mãe internada há seis anos em um casa com outros 12 idosos, conhece um pouco da realidade do setor. Sua mãe tem Alzheimer. “Ela é totalmente independente nos outros sentidos, faz tudo sozinho mas a memória é zero.” Há seis anos ela montou um portal das casas de repouso, que hoje reúne cerca de 300 ILPIs no Estado. “As casas são instituições de assistência social, não são hospitais. Muitas estão enfrentando dificuldade para encontrar equipamentos de proteção individual (EPIs) para os funcionários. Há casos de cuidadores com suspeita de covid-19.”

As ILPIs abrigam pessoas com mais de 60 anos e são fiscalizadas pela Vigilância Sanitária e pelo Ministério Público. No dia 16 de março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) soltou nota técnica – a 05/2020 – na qual diz que os idosos com suspeita ou com casos leves de covid-19 devem ser isolados dentro das instituições.

“A maioria de nossos associados não tem condição de fazer isso, pois mais de 90% das ILPIs têm quartos que abrigam dois ou 3 idosos, sendo inviável o isolamento. Também nos falta EPIs e quando encontramos, o preço é muito caro”, afirmou o presidente da Associação de Casas de Repouso do Estado de São Paulo (Acresp), Matthias Michael Dieter Weisheit.

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Nota

A Anvisa informou ao Estado que as recomendações da agência têm por objetivo preservar as vidas dos idosos. Segundo ela, sua nota técnica foi baseada em documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Centers for Diseases Control and Prevention (CDC) e da vigilância sanitária do Reino Unido, além de documento da prefeitura de Campinas. A nota estabelece que os funcionários dos ILPIs devem usar equipamentos para a prevenção e controle do contágio. “O documento deixa claro que as recomendações podem ser alteradas a qualquer momento, conforme informações novas estejam disponíveis, já que trata de microrganismo novo no mundo e, portanto, com poucas evidências sobre ele.”

A promotora Cláudia disse que recebeu relatos de falta de equipamentos de proteção em instituições e de dificuldade de se fazer o isolamento de casos da doença. Não há ainda como testar todos os idosos e funcionários da casas de repouso quando aparece um caso suspeito. “Houve uma idosa que foi ao hospital se tratar de uma infecção urinária e voltou com covid-19 para a instituição.”

Itália investiga descaso

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A preocupação do Brasil com os efeitos que a pandemia de covid-19 pode ter entre os idosos se baseia no histórico de outros países. Na Itália, em uma única instituição de Milão, o Pio Albergo Trivulzio, foram registradas 191 mortes de idosos que apanharam o coronavírus (Sars-Cov-2) ou com suspeita da covid-19.

A Procuradoria da República instaurou uma investigação e enviou aos diretores do lugar um aviso de que estão sob apuração por homicídio culposo, em razão do suposto descaso no tratamento dos idosos. Na França centenas de estabelecimentos de abrigo para pessoas idosas dependentes (Ehpads) foram atingidos pela epidemia. Os mortos se contam às centenas. Alguns Epahds registraram mais de dez mortes. Na vizinha Espanha, os centro de idosos também foram devastados pela nova doença.

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