Investigação à Sherlock Holmes desvendou em 1986 primeira epidemia de dengue no País

Equipe de médicos sanitaristas e epidemiologistas do Rio foi à caça de pistas e informações e descobriu que o 'Aedes aegypti', considerado erradicado, continuava circulando

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Por Raquel Brandão
3 min de leitura

Apesar do final das férias, muitas crianças não compareceram às aulas e, em algumas casas, pessoas caíram doentes com forte febre, manchas e dores no corpo. O relato poderia ser de 2015, mas é de 1986, quando uma investigação à Sherlock Holmes descobriu que o vírus da dengue estava infectando milhares de moradores de bairros do subúrbio e na região metropolitana do Rio de Janeiro, naquela que seria a primeira epidemia da doença no País. Naquele ano, 33.568 casos foram registrados, sendo 12.480 na capital fluminense.

O gaúcho Antônio Carlos Estima Marasciulo era médico sanitarista recém-contratado pela Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro, quando o órgão foi notificado, em 1986, pela Secretaria da Educação de que havia uma grande abstenção de alunos nas escolas da zona norte da capital, no período de volta às aulas. "As crianças estavam ficando doentes, mas era por alguma coisa que não se sabia", recorda o médico quase 30 anos depois. A Secretaria de Saúde destinou uma equipe aos bairros da região, como a Penha, para elaborar um inquérito a fim de descobrir o que estava acontecendo.

Poucas semanas depois, uma novidade foi acrescida ao caso: moradores de Belfort Roxo e Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio de Janeiro, acusavam uma grande fábrica de produtos químicos de despejar substâncias tóxicas no esgoto, o que estaria deixando as pessoas doentes. "Fomos a campo para fazer o levantamento. Quais os sintomas? Quando eles começaram? Se tinha febre, qual era o comportamento da febre?", explica Marasciulo. Milhares de fichas de informação formaram um enorme quebra-cabeça, em que os dados coletados nos bairros da zona norte do Rio e das comunidades de Belfort Roxo e Nova Iguaçu começaram a se entrelaçar.

Naquela época, o médico já aposentado Nilson Guimarães visitava com frequência seus conhecidos na Secretaria de Saúde e no departamento de epidemiologia. Guimarães, que já havia sido presidente da Sociedade Brasileira de Higiene, era, nas palavras de Marasciulo, uma "história viva". "Ele fazia algumas ligações: 'Olha, tem dengue no Caribe'. O dr. Nilson sabia de coisas, por exemplo, que um contêiner com larvas de Aedes que tinha vindo da África para o porto de Salvador cinco anos antes." Foi assim que a luz se acendeu sobre a investigação. "Nós fomos lá para ver uma contaminação por agente químico, mas, quando chegamos, vimos que era um agente biológico. As pessoas tinham febre de início súbito", conta Marasciulo.

Porém, ainda restavam dúvidas, afinal, o Aedes aegypti era considerado erradicado do País desde 1958, quando o Brasil e mais dez países do continente foram declarados livres do mosquito na 15ª Conferência Sanitária Panamericana, em Porto Rico. Seria possível, então, que fosse dengue? "Pode ser febre maculosa, transmitida pelo carrapato. Há uma epidemia agora em Minas Gerais", sugeriu alguém da equipe.

"Eu percebi que a doença estava atingindo de crianças a idosos. Quando uma enfermidade atinge todos os tipos de pessoas é porque há algo novo naquele ambiente", diz o médico. A curva da febre também era diferente. "Era como uma cela de cavalo. Uma curva bimodal, comdois picos de febre." Concluíram, então, que se tratava de um arbovírus (vírus transmitido por mosquitos). Mas onde estava o mosquito? Um dos fatores que dificultou a investigação foi a difícil relação entre os órgãos públicos em um período pós-ditadura militar

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