Livro traz experiência com barriga de aluguel

Jornalista recorreu a clínica na Índia para fazer procedimento; Rita e Cecília têm hoje 2 anos

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Por Monica Manir
Atualização:

SÃO PAULO - Dizem que curiosidade mata. Neste caso, ajudou a nascer. Foi muito por curiosidade que a jornalista Teté Ribeiro quis ser mãe: “Não tem como saber o que é, a não ser vivendo”. Foi também por curiosidade que ela quis conhecer a barriga de aluguel de suas filhas: “Queria descobrir de que lugar físico vinham meus bebês, quem lhes deu à luz”. Entre uma inquietação e outra, ganhou corpo o livro Minhas Duas Meninas, que a Companhia das Letras lança em 12 de julho.

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Teté Ribeiro é editora da revista Serafina, da Folha de S.Paulo. Por sete anos, ela e o marido, Sérgio Dávila, editor executivo do jornal, tentaram engravidar por métodos caros e invasivos, alguns com técnicas experimentais. A questão era que os óvulos dela tinham boa qualidade, mas o útero carecia de aderência. Cansados do “purgatório da infertilidade”, entraram com a papelada para a adoção. Em 2013, a tal curiosidade de Teté foi aguçada pelas barrigas de aluguel da Índia, onde a prática é legalizada desde 2002.

O casal entrou em contato com a dra. Nayana Patel, dona de uma clínica em Anand, a 90 km ao sul de Ahmedabad, ex-capital da Índia. A médica é famosa: já saiu com destaque em matérias da BBC e da Forbes. Por intermédio da dra. Nayana, mais de 1 mil bebês vieram ao mundo via “gravidez por substituição”. Os candidatos a pais chegam da própria Índia e de vários cantos do mundo, distribuídos mais ou menos na seguinte proporção: 40% locais, 30% indianos que vivem em outros países e 30% estrangeiros. 

'As legislações indiana e brasileira, até este momento, têm um encaixe perfeito', afirma a jornalista Foto: Renato Parada

Teté e Sérgio entraram na lista de espera, interessados na estrutura do lugar, na tecnologia avançada e no valor mais em conta que em alguns Estados americanos, na Tailândia e no México, onde a prática também é permitida. No total, pagariam US$ 25 mil. Se a gravidez fosse gemelar, a quantia subia para US$ 31,5 mil. Somente mulheres casadas, entre 21 e 45 anos, e que tenham pelo menos um filho podem colocar sua barriga à disposição. Vanita, a escolhida pela dra. Nayana, tinha 28 anos à época e um filho, Aarav, de 5.

O maior dilema – a mãe de aluguel se arrepender e decidir ficar com o bebê – é resolvido por um contrato. Ela não tem nenhum direito sobre a criança, que ganha a nacionalidade dos pais biológicos. “A legislação indiana e a brasileira, até este momento, têm um encaixe perfeito para as barrigas de aluguel”, escreve Teté. “A maior preocupação do governo da Índia é que Rita e Cecília não sejam cidadãs indianas; a do Brasil é que não tenham dupla cidadania.”

Informações. O que não se encaixou tão perfeitamente foi o jeito indiano de editar e divulgar as informações. É compreensível que, por lei, os obstetras indianos não possam revelar o sexo dos bebês durante a gravidez. Entre a classe média e média baixa do país, é comum o aborto provocado quando se sabe que uma menina está abrigada no útero. 

Acontece que, crente de que acompanharia o parto, Teté chegou um mês antes do previsto. Só no dia seguinte soube que suas crianças estavam “um pouquinho nascidas”. A cesárea tinha acontecido três dias antes. Rita e Cecília estavam bem, precisavam apenas engordar até os 3 quilos, quando ganhariam o selo “fit to fly”, prontas para voar de volta. Não era por isso que lhe negaram um e-mail ou um telefonema avisando do nascimento. “Para aqueles indianos com quem convivi, a versão contada é aquela que eles supõem que você deva saber.” 

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Teté quer que suas filhas conheçam todo o processo. O casal fez um álbum com as fotos do primeiro mês de vida na Índia e o deixa à mão das garotas. “Elas têm só 2 anos, ainda são pequenas para formular qualquer pergunta, vou deixar que a curiosidade delas guie a informação.” 

Em tempo: Teté troca fotos das crianças com Vanita por WhatsApp. Com o dinheiro que lhe coube na oferta da barriga, US$ 8 mil, a indiana pagou dívidas. A família, porém, continua em dificuldade. Vanita não pode ser mãe de aluguel de novo, já que fez duas cesarianas. Quer ser cuidadora em Israel, de idosos ou bebês.

Pagamento à mãe de aluguel não é permitido no Brasil

A prática é proibida no Brasil sob diferentes argumentos, entre eles o de que geraria a coisificação da mulher e a objetificação da criança. Aceita-se apenas a doação, desde que a doadora tenha no máximo 50 anos, parentesco até segundo grau com o casal e que a mulher que queira ter filhos prove por A mais B não ter condição de levar adiante uma gravidez.

Mas já é possível recorrer ao Conselho Regional de Medicina para que aquelas sem ligação parental com o casal – uma amiga, por exemplo – possam acolher gratuitamente o embrião.

E avança a questão do registro. Até há pouco tempo, a criança era registrada em nome da mãe de aluguel. Os pais biológicos tinham de fazer a transferência legal depois. Hoje, eles têm conseguido o registro sem menção à gestante.