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Música alivia dores de pacientes em hospital de SP

Grupo toca canções que marcaram a vida de doentes terminais; ideia é resgatar emoções

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Por Redação
Atualização:
Antonio Carrasqueira: 'a música tem um poder enorme' Foto: EFE/FERNANDO BIZERRA JR

A respiração de Sebastião está descontrolada, mas de repente o som de uma flauta transversal apazigua sua agitação. São os acordes de uma canção de seu passado interpretada por um dos músicos que trabalham para aliviar a dor de doentes submetidos a cuidados paliativos em um hospital de São Paulo.

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"Quando cheguei tinha umas 13 pessoas no quarto. Ele estava com máscara de oxigênio e respirava com muita dificuldade, muito rápido. Foi começar a tocar e a respiração se acalmou em dez segundos. Todo mundo começou a chorar e eu me segurei para não chorar também", conta o flautista Antonio Carrasqueira.

Essa é uma das muitas histórias emocionantes vivenciadas por um grupo de músicos que semanalmente passa pelos quartos do hospital Premier, na Vila Cordeiro, zona oeste da capital paulista, não para tocar seu repertório, mas para reproduzir o dos próprios pacientes.

Há vários anos Samir Salman, diretor desta clínica para doentes terminais, com doenças degenerativas e para idosos que precisam de cuidados paliativos, decidiu incluir a música na "estratégia do hospital, como uma proposta terapêutica a mais".

"A ideia é que o músico se preocupe em resgatar a memória musical do paciente com a ajuda da equipe médica e sua biografia", explica Salman.

'Foi começar a tocar e a respiração se acalmou em dez segundos' Foto: EFE/FERNANDO BIZERRA JR

As notas de "Carinhoso", de Pixinguinha, passeiam pelos corredores do segundo andar do hospital, onde começam a aparecer alguns pacientes como João, um fotógrafo aposentado que, apesar suas dificuldades para se locomover, não hesita em se aproximar de Carrasqueira com sua bengala para lhe agradecer.

Para o flautista, "a música tem um poder enorme", que "traz outro sentimento, outras memórias e outra sensação".

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"Agora estava tocando para José, ele foi saxofonista, e interpreto para ele músicas que fazem parte de seu universo, que despertam nele uma lembrança alegre", comenta.

Carrasqueira reconhece a dificuldade de conter a emoção neste tipo de situação, para a qual os músicos que fazem parte desta iniciativa se prepararam em um curso de cem horas, como é o caso de Juarez Travassos Jr. e Giba Donato.

Curiosamente, estes dois engenheiros trabalharam na construção do hospital, e a partir daí criaram um vínculo especial que os levou fazer o curso e participar do projeto em um dueto com Juarez no violão e Giba na voz.

Os dois sobem as escadas em direção ao quarto de Guiomar, que sofre de Alzheimer e é apaixonada por Benito di Paula, a ponto de conseguir lembrar, com um brilho intenso em seus olhos, alguns dos versos das músicas mais conhecidas do cantor, como "Retalhos de Cetim" e "Meu Amigo Charlie Brown".

"Isto é um tratamento que não tem preço, é algo que vem do coração", conta Luiz, seu marido há 59 anos.

Não há evidências científicas de que a música incida de maneira quantitativa na recuperação dos pacientes, mas a psiquiatra Manuela Salman diz que consegue perceber efeitos positivos "por suas expressões" e "por seus sorrisos".

"São percepções subjetivas", explica a especialista, que acrescenta que a medicina deveria se abrir "a estratégias não farmacológicas para lidar" especialmente com doenças cerebrovasculares e relacionadas com a demência.

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"Tivemos várias experiências de pacientes que estavam sem conseguir se comunicar verbalmente e, por meio da música e da exploração de sua história, evidenciamos inúmeros casos nos quais o paciente acaba cantando conosco", afirma Juarez.

'O paciente acaba cantando conosco', diz Juarez Foto: EFE/FERNANDO BIZERRA JR

Por sua vez, Giba explica que para descobrir o repertório pessoal de cada paciente perguntam a familiares e também à equipe de médicos e enfermeiros, que dão "toda essa informação" para acertar as músicas.

No entanto, nos cinco anos em que os dois artistas encheram de música os quartos da clínica, também perceberam o quão dura é "a brevidade da vida", através dos doentes com os quais criaram algum vínculo afetivo e se foram.

"Mas ao mesmo tempo sentimos uma felicidade ao saber que participamos no resgate de coisas boas. Por isso continuamos com este trem da alegria pelos corredores do hospital", reconhece Juarez. /EFE

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