Nos EUA, brasileiro usa realidade virtual para estudar enxaqueca

Crise derruba dopamina no cérebro, segundo pesquisa feita por Alex da Silva na Universidade de Michigan

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Por Fabio de Castro
Atualização:
Avanços. Pesquisador consegue 'passear' em cérebro Foto: SCOTT SODERBERG/UNIVERSITY OF MICHIGAN NEWS

Um estudo liderado pelo pesquisador Alex da Silva, da Universidade de Michigan, mostra que durante as crises de enxaqueca, o cérebro do paciente tem uma queda nos níveis de dopamina - uma substância produzida pelo cérebro, envolvida na regulação da sensação de prazer, bem-estar e motivação.

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Para realizar o estudo, o cientista brasileiro utilizou imagens do cérebro de pacientes obtidas com tomografias por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês). As imagens foram estudadas com um equipamento de "experiência digital imersiva", ou realidade virtual: um modelo cerebral 3D que permite que o cientista "passeie" dentro do cérebro do paciente.

Segundo Silva, além de ajudar a compreender melhor as terapias para enxaqueca baseadas em dopamina, os resultados do estudo poderão ainda ajudar a explicar o comportamento dos pacientes durante as crises - como o desejo de isolamento e de confinamento.

"Essa redução e flutuação dos níveis de dopamina que verificamos durante as crises de enxaqueca é uma forma do cérebro dizer que algo não vai bem internamente e, também de sinalizar que o indivíduo precisa de tempo para se recuperar. É uma forma de forçá-lo a reduzir o ritmo, ir para um quarto escuro e evitar todo tipo de estímulo", disse Silva ao Estado.

"O baixo nível de dopamina inibe o comportamento social da pessoa, que, em vez de ficar agitada, procura a reclusão - e com isso o cérebro ganha tempo para se recuperar", acrescentou.

A conexão entre a dopamina e a enxaqueca sempre foi conhecida, mas pouco compreendida, tanto na área clínica como na área de pesquisa, segundo Silva. A substância é um neurotransmissor que ajuda a regular as emoções, a motivação e a sensibilidade sensorial e está ligado à sensação de prazer e bem-estar.

De acordo com Silva, médicos frequentemente receitam a pacientes com enxaqueca antagonistas de dopamina - isto é, drogas que bloqueiam os receptores excessivamente ativos do neurotransmissor - para estabilizar as violentas flutuações dos níveis de dopamina e, com isso, mitigar as crises.

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O médico e sua equipe fizeram diversas medições da atividade cerebral e dos níveis de dopamina em oito pacientes de enxaqueca e em oito pacientes saudáveis. Nos pacientes com enxaqueca, os dados foram obtidos durante as crises e entre elas.

Quando os pacientes com enxaqueca estavam entre as crises, seus níveis de dopamina ficavam tão estáveis como os dos pacientes saudáveis. Mas durante as crises, os níveis do neurotransmissor caíam consideravelmente.

"Dor à toa". Silva afirma ter ficado surpreso quando os pacientes, durante suas crises de enxaqueca, tinham uma pequena quantidade de calor aplicada à cabeça - em temperaturas que seriam perfeitamente suportáveis em condições normais - e apresentaram uma piora dos sintomas e uma pequena flutuação do nível de dopamina.

"Antes das crises, os pacientes só sentiam algum desconforto quando o calor chegava a 46 graus. Mas, durante os ataques de enxaqueca, com 40 graus eles já manifestavam um aumento pronunciado da dor", disse Silva.

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Essa reação - quando um estímulo normalmente inofensivo acaba causando dor - é conhecida como alodinia. Segundo Silva, a súbita flutuação do nível de dopamina foi provavelmente uma reação adversa ao estímulo ambiental - ou seja, à aplicação do calor.

"Essa pequena flutuação foi apenas uma recuperação parcial da dopamina, mas ela piorou o sofrimento, porque os receptores de dopamina estavam então altamente sensíveis e mesmo uma pequena recuperação acabou induzindo a mais náusea, vômito e outros sintomas relacionados à enxaqueca", disse Silva.

Segundo Silva, a dopamina é um dos principais neurotransmissores que controlam a sensibilidade sensorial. Com isso, uma queda nos níveis de dopamina pode produzir uma sensibilidade aumentada, de forma que estímulos sensoriais normalmente indolores ou imperceptíveis, na pele, nos músculos e nos vasos sanguíneos, acabam produzindo dor intensa.

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"Durante as crises, os pacientes têm uma hiper-sensibilidade sensorial e, nesse momento a luz, o som e os odores podem ser tornar anormalmente intensos. Com isso, uma ação normalmente indolor, como escovar os cabelos, pode produzir uma sensação de dor intensa durante uma crise de enxaqueca", explicou Silva.

Complexidade e tecnologia. A realização do estudo não foi trivial, segundo o cientista. Era preciso recrutar pacientes com enxaqueca e escanear seus cérebros antes e durante os ataques. Mas as crises precisavam ser espontâneas, o que dificultava o agendamento das sessões de tomografia PET. Também era preciso repetir o processo, em mulheres, em diferentes momentos do ciclo menstrual.

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"Muitas vezes o paciente não tinha crises no momento agendado. Tivemos que cancelar várias vezes. Tivemos alguns pacientes que demoraram dois anos para completar o ciclo. Mas conseguimos um resultado muito bom", afirmou.

Silva, que está há 10 anos na Universidade de Michigan e há 20 nos Estados Unidos - onde se radicou a partir do doutorado, na Universidade Harvard -, conta que o trabalho foi possível graças à boa estrutura de pesquisa.

"O escaneamento com PET é utilizado em muitos lugares, mas aqui temos condições de utilizá-lo com rastreamento de radiofrequência. Com isso, além de termos condições de obter imagens do cérebro dos pacientes no nível da sua atividade molecular, podemos também observar o momento exato em que os neurotransmissores se conectam aos receptores. Então pudemos ver como ocorre a atividade dos receptores em plena crise de enxaqueca", explicou.

O pesquisador também utilizou uma tecnologia de realidade virtual para estudar minuciosamente esses dados extremamente detalhados do cérebro dos pacientes. "Nesse laboratório, utilizamos óculos especiais para observar um modelo virtual do cérebro dos pacientes, com seus dados reais. Também utilizamos esse recurso nos cursos de medicina e odontologia", disse.

A parte de cima do laboratório possui vários sensores, que, a partir das antenas dos óculos, rastreiam a perspectiva do olhar do pesquisador.

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"Quando entro na sala, vejo um cérebro flutuando. Usando um joystick, posso cortar, expandir, rotacionar e navegar nesse cérebro virtual, que é projetado a partir dos dados reais obtidos pelas tomografias. Assim, posso ver em detalhes o que acontece com a dopamina durante os ataques de enxaqueca", explicou Silva.

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