Novo álcool sintético pode limitar a ressaca, mas não deve reduzir vício

Para especialistas, ainda é preciso avaliar melhor a bebida, que começará a ser testada em laboratório, para saber potenciais riscos e benefícios

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Por Sara Abdo
Atualização:

O químico britânico David Nutt, do instituto de pesquisa médica Imperial College, em Londres, causou polêmica ao anunciar na semana passada a criação de um álcool sintético que não desencadearia ressaca nem afetaria o fígado. Segundo o cientista, a bebida teria apenas o efeito positivo do álcool. A novidade, porém, é vista com cautela por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Nutt afirma que a fórmula do alcosynth é baseada no que já se sabe sobre a atuação do álcool no cérebro e, por isso, só estimula no corpo os efeitos positivos da substância e impede que o usuário fique embriagado ou deprimido. As primeiras informações indicam que o composto liberaria no organismo apenas substâncias boas, como a endorfina, sem, por exemplo, perda do controle motor.

Álcool sintético não deve diminuir vício causado pela fórmula convencional da bebida Foto: Hafen City Studios|Martin Haag| The New York Times

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Se cumprir a promessa, o álcool sintético poderia não só acabar com a ressaca, mas com vários problemas de saúde associados ao álcool. A bebida é associada a 12,5% das mortes por câncer e 33,4% das mortes por doenças cardiovasculares e diabete no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), quase 3,3 milhões (6%) de todas as mortes do mundo por ano são total ou parcialmente atribuídas à droga. Mas ainda é cedo para achar que a substância é a solução dos problemas. A fórmula do composto ainda não está liberada para consulta e são necessários mais estudos.

Para Thiago Fidalgo, psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp, até que se saiba quais as substâncias foram usadas na composição, é difícil afirmar suas consequências no corpo e no cérebro. “Desconhecendo qual a substância química, então não dá para saber para onde ela vai e como atua no organismo”, afirmou.

Nutt afirma que a nova substância não causará impacto do fígado, órgão que metaboliza o álcool convencional, mas Fidalgo pondera que toda substância precisa ser eliminada do corpo de alguma forma. “Qualquer substância precisa sair de um jeito, e só há três órgãos que fazem esse processo: o fígado que metaboliza, o rim que excreta e o pulmão que expira”, disse.

O VÍCIO NO PRAZER Segundo a revista The Week, também há uma expectativa de que o álcool sintético desenvolvido por Nutt ajude na diminuição do número de acidentes de trânsito, abuso sexual e outras situações causadas pelo excesso de bebida alcoólica. Fernando Bignardi, coordenador de transdisciplinaridade aplicada à saúde e medicina preventiva na Unifesp, avalia que há uma questão mais importante para ser resolvida: por que as pessoas bebem tanto a ponto de causar danos à própria saúde e aos outros.

Para Bignardi, a proposta de Nutt não é boa porque, apesar de trazer menos efeitos colaterais, não ajuda as pessoas a se livrarem do vício. “Não acho que precisamos criar um álcool que não dê problema. A questão a ser resolvida é por que alguém está bebendo tanto”, considera Bignardi. Mesmo com algumasmoléculas diferentes, tanto o alcosynth e como o álcool convencional podem viciar porque liberam endorfina, hormônio do prazer altamente viciante. ÁLCOOL SINTÉTICO É O NOVO CIGARRO ELETRÔNICO? O álcool sintético não deve ser considerado uma alternativa como o cigarro eletrônico, que oferece ao fumante a sensação de estar fumando um cigarro convencional. Com o cigarro eletrônico, o indivíduo pode perceber que não precisa inspirar a mesma quantidade de nicotina para realizar a respiração diafragmática, o melhor recurso ansiolítico e relaxante para pessoas ansiosas – como a maioria dos fumantes.

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Segundo Bignardi, a comparação com o álcool sintético seria cabível apenas se a vontade de consumir bebida alcoólica fosse saciada com um gole de água – algo completamente inócuo. E, até onde se sabe por enquanto, esse não é o caso.

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