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Os benefícios das histórias compartilhadas entre pacientes

Programa mantém a centelha de amor viva para casais que vivem os desafios da chegada do Mal de Alzheimer, uma doença progressiva e assustadora

Por Jane E. Brody
Atualização:

Você consegue manter a chama do amor brilhando depois que o cérebro de seu (sua) parceiro (a) começa a falhar? Pergunte a Denise Tompkins de Naperville, Illinois, casada há 36 anos com John, agora com 69, que sofre do Mal de Alzheimer.

A oficina de contação de histórias, que começou em janeiro de 2014, foi uma invenção de Lauren Dowden, então estagiária de serviço social Foto: Paul Rogers

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Os dois participaram de uma oficina de narrativa incomum, de dois meses de duração, na Universidade Northwestern, que está ajudando a manter a centelha de amor viva para casais que vivem os desafios da chegada da demência.

A cada semana, os inscritos recebem uma atividade específica: escrever uma breve história sobre eventos de sua vida que será compartilhada com os outros membros do grupo. O programa culmina com uma história de 20 minutos, comovente, muitas vezes engraçada, lida alternadamente pelos parceiros de cada casal para uma plateia.

A história de cada um serve como lembrete dos momentos bons e difíceis que compartilharam, experiências pungentes e bem-humoradas que revelam a força interior, a superação, o amor e o apreço um pelo outro, e que podem ser facilmente esquecidos quando é preciso enfrentar uma doença neurológica progressiva e assustadora como o Alzheimer.

"Foi uma experiência incrível. Escrever a nossa história nos mostrou a riqueza de nossa vida juntos e nos deu força para seguir em frente", disse Denise sobre o programa.

E acrescentou: "O programa fornece uma oportunidade para entender o que você está passando e a relação de um com o outro. Ele me ajudou a assimilar todas as coisas maravilhosas do John e como nos relacionamos bem como casal, algo que não desaparece com o Mal de Alzheimer. Ele é muito mais do que a doença".

O mesmo aconteceu com Robyn e Ben Ferguson de Chicago, que fizeram 42 anos de casados em 2012, quando descobriram que Ben, que é psicólogo, tinha Alzheimer. "O diagnóstico foi devastador. Falar com as pessoas do programa sobre ele nos ajudou a reconhecer o impacto que teve em nossa vida e em nosso relacionamento e nos fez enfrentar a doença de frente. Fez as coisas não parecerem tão ruins", disse sua esposa, que também é psicóloga.

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Os Ferguson apresentaram sua história 19 vezes até o momento, ajudando a esclarecer muitos pontos para estudantes de Medicina, cuidadores e aqueles que têm formação em trabalho social, além de pesquisadores e membros do público em geral. "Isso reforça nossa relação como casal, não como cuidador/paciente, mesmo que ele seja 85% dependente de mim para suas atividades diárias."

Ben Ferguson, agora com 69 anos, disse: "Sinto que estamos dando às pessoas informações que podem ser muito valiosas no futuro. É bom que nos vejam sorrindo, nos divertindo e fazendo um bom relato - assim como um mau relato - sobre o que se passa com essa doença. É importante que as pessoas ouçam tudo de alguém que sofre desse mal e isso nos ajuda a afastar um pouco a tristeza."

Quanto a suas apresentações, que agora são quase mensais, a esposa disse: "Assim, permanecemos positivos e temos um senso de propósito. Ambos sentimos uma necessidade real de fazer um trabalho de esclarecimento, e é o melhor que podemos fazer agora. Sabemos que há uma data limite, que não será assim para sempre, mas não pensamos nisso agora. Hoje, estamos concentrados em ajudar as pessoas a entender que a vida não para com o diagnóstico. Queremos que todos saibam que ela continua, mesmo que você precise de muita ajuda."

Outra participante de seminário, Sheila Nicholes, de 76 anos, de Chicago, conta o impacto da narrativa em seu marido, Luther, que tem demência vascular. "Ela o fez voltar a ser engraçado. Escrever nossa história juntos foi uma maneira de falar sobre essas coisas, de pensar sobre tudo o que passamos e aonde chegamos."

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"Notei que a demência é uma doença sobre a qual ninguém fala muito em nossa comunidade negra; contar o meu caso pode ajudar outros a falar mais abertamente sobre o problema e aprender a 'deixar rolar'."

A oficina de contação de histórias, que começou em janeiro de 2014, foi uma invenção de Lauren Dowden, então estagiária de serviço social do Centro Cognitivo Neurológico e do Mal de Alzheimer da Northwestern. Ela rapidamente aprendeu com membros da família em um grupo de apoio que não havia uma abordagem de suas preocupações de como lidar com a perda, não só de memória, de emprego e de independência, mas também do que compartilhavam enquanto casal.

Durante as sessões em grupo, Lauren disse: "Há muito riso na sala, muita alegria e amor à vida, além de tristeza e lágrimas. Conforme o programa foi avançando e a doença progredindo, podiam se lembrar do que são, de sua força e resiliência, o que fortaleceu sua relação, o que amaram no outro, em vez de apenas serem paciente e cuidador".

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Com o passar das semanas, Lauren disse: "Há mais contato físico, afeto, olhos nos olhos, risos. Há momentos deliciosos de conexão quando um membro de um casal revela algo que o outro não sabia".

A tarefa de produzir uma história semanal exige que o casal colabore e eles aprendem a trabalhar juntos de um modo novo e a fazer ajustes, que é o que vão ter que fazer milhares de vezes ao longo da doença.

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Na execução das tarefas da oficina, Robyn Ferguson contou que fazia perguntas ao marido, ele respondia, e ela escrevia o que dizia. "A oficina foi realmente transformadora. Ela nos deu esperança em nosso futuro juntos e em como lidar com a doença."

Lauren disse que a resposta da plateia às histórias era animadora. E explicou: "Os estudantes aprendem sobre a biologia das condições neurodegenerativas. Essas histórias permitem que vejam o lado humano da doença, como é viver com ela, e pode ajudá-los a desenvolver programas que promovam uma vida melhor para as famílias. Além do estigma, há uma tendência a deixar de lado as pessoas com demência".

Lauren disse que está melhorando o currículo da oficina para que possa ser usado como um modelo para outras instituições. Está também tentando expandi-lo para incluir duplas de mãe/filha e irmãos.

Ela logicamente percebe que a oficina pode não ser adequada para todo casal. "Não é bom quando existem muitos problemas comportamentais, muitos conflitos e pouco discernimento da natureza da situação. Mas para aqueles que se enquadram, é uma oportunidade para explorar o núcleo do relacionamento, de continuar crescendo, aprendendo e se deliciando um com o outro."

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