PE busca bebês com suspeita de microcefalia sem diagnóstico

Falta de recurso, rotina com 3 consultas semanais e crença de que filho é saudável fazem com que mães não busquem atendimento

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Por Felipe Resk
Atualização:
Dúvida. Valquíria teve febre no 7º mês de gestação de Sophia: 'Ela só nasceu magrinha' Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

RECIFE - Equipes sanitárias de Pernambuco estão à procura de bebês com suspeita de microcefalia que nunca chegaram a hospitais de referência, onde deveriam confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento. Em boa parte, são mulheres de baixa escolaridade, pouca renda e moradoras de regiões menos desenvolvidas, que saem da maternidade para casa e não fazem mais nenhuma consulta médica. O governo estadual admite fazer busca ativa para encontrar essas mães, mas diz não existir uma estimativa oficial de quantas são.

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O balanço mais recente aponta que há 1.159 casos sob investigação de bebês nascidos com perímetro cefálico menor do que o considerado normal em Pernambuco. O dado inclui tanto crianças que nunca receberam auxílio médico quanto as que foram encaminhadas para unidades de saúde e aguardam resultados de exames para confirmar a microcefalia. Para especialistas que atuam na força-tarefa do Estado, entretanto, ao menos metade desses recém-nascidos não passou por procedimento médico depois que saiu da maternidade. 

O número de casos confirmados em Pernambuco saltou de nove, em média, por ano, para 153 em seis meses. No início, as suspeitas eram encaminhadas para o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, no Recife, que acompanha ao menos 300 bebês. Também há atendimento em Caruaru e Garanhuns, no agreste, Serra Talhada e Petrolina, no sertão, e em outras duas unidades na capital. Suspeita. Moradora do interior, a jovem Valquíria Cristiane dos Santos abandonou os estudos na 6.ª série, casou-se aos 12 e não aparenta ter mais do que os seus 18 anos, mesmo depois de três gestações. Vive com o marido em uma casa com chão de cimento batido e telhado sem forro, em um bairro pobre e violento de Goiana, cidade com 29 notificações de microcefalia.

Valquíria não trabalha para poder cuidar dos filhos, o mais velho de 3 anos. Já a mais nova, Sophia Vitória, nasceu de parto normal no dia 14 de novembro, com pouco mais de dois quilos e 30 centímetros de perímetro cefálico.

A mãe não sabe, mas Sophia faz parte das estatísticas de casos suspeitos de microcefalia. Desde dezembro, são notificadas todas as crianças com no máximo 32 centímetros de período cefálico – e não mais com até 33, a antiga medida. Para ter a confirmação, é preciso fazer um exame de imagem que permite ao médico detectar más-formações provocadas por algum agente infeccioso, como nos casos associados ao zika vírus, citomegalovírus e toxoplasmose. Se o exame não apontar problema, o caso é descartado.

“Olhei ela dos pés à cabeça, mas não achei nenhuma anormalidade. Só nasceu um pouco magrinha”, conta a jovem. “Eu pedia para Deus mandar ela perfeita para mim. E Ele mandou.” 

Valquíria teve febre no sétimo mês de gestação, mas diz não ter sido diagnosticada com nenhuma doença específica. Segundo conta, ficou três dias internada na maternidade e nenhum funcionário a alertou sobre a chance de a filha ter algum tipo de má-formação.

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Ela também não foi procurada nem passou por um médico depois disso. Em comparação com os irmãos, Sophia parece ter a cabeça um pouco menor nas laterais, mas para Valquíria a filha está bem. “Ela é mais calma do que os outros. Só chora para tomar banho e mamar.”

Sem informação. Ana Paula com Alexia, de 3 meses e perímetro cefálico de 30 cm: 'O médico achou que ela nasceu pequena, mas ninguém disse nada' Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

Motivos. Segundo especialistas, mães e crianças deixam de receber acompanhamento por vários fatores: falta de recurso para ir ao hospital e se hospedar em outra cidade, de orientação, o intervalo para agendar a primeira consulta e até mesmo por acreditar que o filho é saudável. A rotina médica, com duas ou três consultas por semana, também torna a situação mais difícil para mulheres que precisam trabalhar.

A infectologista pediátrica Angela Rocha, coordenadora do setor no Oswaldo Cruz, conta que já ouviu pacientes dizerem que por pouco não desistiram da consulta. “O que está se notando é que, com algumas crianças do interior, a mãe acha o menino ‘meio normal’, porque ele está ganhando peso, se alimentando bem e não está muito irritado”, diz. 

Médicos relatam que chegam a receber pacientes pela primeira vez quatro meses depois do nascimento da criança. E a demora pode comprometer a recuperação do bebê. “Quanto mais rápido ele for encaminhado para tratamento, mais cedo recebe estímulos e melhor são os resultados”, diz o médico Carlos Brito, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Comitê Técnico de Arboviroses do Ministério da Saúde.

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Procura. A funcionária de limpeza Ana Paula da Silva, de 29 anos, mãe de Alexia Victória, de 3 meses, mora em uma casa perto do centro de Goiana. A construção é colada a outras moradias de um beco, onde pilhas de lixo atraem mosquitos.

A criança também nasceu com 30 centímetros de perímetro cefálico. “Ela dorme bem e come certinho, mas é muito chorona”, diz a mãe de outros quatro filhos. Choro contínuo do bebê é uma reclamação comum entre os pais de filhos com microcefalia. “O médico achou que ela nasceu pequena, mas ninguém disse nada, não.”

“São essas pessoas que estamos procurando”, diz Patrícia Ismael, diretora-geral de Informações e Ações Estratégicas em Vigilância Epidemiológica, da Secretaria de Saúde de Pernambuco. “Há uma parte da população que é carente de informação, pela baixa escolaridade.”

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‘Temos de investigar todos os casos’

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Patrícia Ismael, diretora-geral de Informações e Ações Estratégicas em Vigilância Epidemiológica, explica que as maternidades informam os casos notificados em um sistema online, em que os pacientes são cadastrados com endereço e telefone. Depois, a pasta marca a consulta da mãe em um hospital de referência a até 100 km de distância de onde ela mora. “Se a criança não chegar ao hospital, a gente informa para a regional de saúde, que manda para o município saber por que ela não foi.”

Uma vez confirmado, cada caso deve receber um tratamento específico. “Às vezes, a mãe acha que não precisa, mas a gente tem obrigação de investigar todos os casos”, diz a infectologista Angela Rocha. 

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