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'Procrastinar gerava culpa, que gerava ansiedade'. Empresária relata efeitos da quarentena

Jéssica Dantas começou a ter crises nas primeiras semanas da pandemia e procurou ajuda especializada; pesquisa aponta que mais da metade dos adultos sentiram ansiedade ou nervosismo na quarentena

Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue
Atualização:

Por já trabalhar em home office, a criadora de conteúdo e empresária Jessica Dantas, de 27 anos, imaginava que teria poucas dificuldades para se adaptar ao distanciamento social há quase quatro meses, mas a situação foi diferente. “O clima, a internet, o dia a dia, estava tudo diferente”, conta. “O fato de estar em casa por opção é diferente de não poder sair em casa.”

Ela começou a ter crises de ansiedade logo nas primeiras semanas. Dentre outros fatores, o que mais a deixava apreensiva era a imprevisibilidade da pandemia do novo coronavírus, da qual passava grande parte do dia ligada ao procurar novas notícias pela internet e na televisão. “No começo, estava super desesperada, com ansiedade todo dia.” 

Empresária falou sobre ansiedade na pandemia em canal que mantém no Youtube Foto: Reprodução/Youtube

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Uma pesquisa divulgada nesta terça-feira, 7, mostrou que mais de metade da população adulta do Estado de São Paulo afirma sentir ansiedade ou nervosismo com frequência desde que a pandemia da covid-19 começou. Para 39% dos entrevistados, sentir-se triste ou deprimido passou a ser algo rotineiro durante a quarentena e quase 30%, que antes dormiam bem, começaram a enfrentar problemas de sono. Os dados foram coletados entre os dias 24 de abril e 24 de maio por meio de questionário on-line.

“Um dos objetivos da iniciativa foi avaliar o estado de ânimo dos brasileiros durante o período de isolamento social e os resultados mostram que, nesse aspecto, os adultos jovens [entre 18 e 29 anos] foram os mais afetados: 54,9% com tristeza frequente e 69,7% com ansiedade frequente, enquanto entre os idosos esses percentuais foram, respectivamente, 25% e 31%”, conta Marilisa Barros, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e coordenadora do estudo ao lado de Célia Landmann Szwarcwald (Fiocruz) e Deborah Carvalho Malta (UFMG).

No caso de Jessica Dantas, ela resolveu voltar para a terapia, da qual havia tido alta meses antes, após começar a ter sintomas físicos, como falta de ar. Além disso, também fez adaptações na rotina, para conciliar as horas de lazer e de trabalho, para trazer uma sensação de conforto e segurança. “Estar procrastinando gerava culpa, que gerava ansiedade.”

A empresária compartilhou parte dessas experiências no canal Fala Dantas, que mantém no Youtube. O resultado foi uma série de comentários de jovens que enfrentam a mesma situação na quarentena. “Me identifico muito contigo, ultimamente tô tendo muita crise de ansiedade”, respondeu uma das usuárias.

'É importante não perder de vista o que tinha e se queria antes', diz especialista

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Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Narbal Silva explica que a adoção abrupta do distanciamento e do isolamento social foi um dos fatores que começou a gerar nervosismo e ansiedade em algumas pessoas.

“Ao termos perdido o presencial, isso atingiu sobremaneira uma necessidade que é inerente a todo ser humano, a necessidade de se relacionar e conviver. O virtual não substitui, nem mesmo para as gerações mais novas, que têm uma cultura da tecnologia digital", diz o especialista, que também é coordenador do Laboratório de Psicologia Positiva nas Organizações e no Trabalho (Lappot), da UFSC.

Outro ponto que aborda são as incertezas geradas pela pandemia, como a falta de um tratamento comprovado para a covid-19 e o desconhecimento de quando o distanciamento poderá acabar. “Agora, começamos a receber informações de perspectiva de vacinas. Isso em menor ou maior grau diminui um pouco a nossa ansiedade, as nossas angústias.”

O professor inclui ainda um terceiro fator, que são as fake news, os boatos e as ambiguidades ideológicas. Ele exemplifica que parte da população convive com opiniões distintas entre poder público, círculo social e especialistas. “Imagina como fica a cabeça nesse momento.”

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Por isso, Silva ressalta a importância do autocuidado nesse momento, como manter um bom diálogo com as pessoas do círculo de convivência, praticar atividades físicas, separar horários de lazer dos profissionais e cuidar da própria higiene. “Só lazer, lazer, lazer, ou só trabalho, trabalho, trabalho, vai me afetar e afetar a todos que estão comigo.”

Isso inclui também tentar manter-se otimista na medida do possível e refletir sobre isso, sobre objetivos pessoais e profissionais e como atingi-los, por exemplo, mas com “respeito aos meus limites e possibilidades”. “É importante não perder de vista o que tinha e se queria antes (da pandemia)”, ressalta.

O professor ainda reitera que é importante prestar atenção em si ainda mais na pandemia. Por mais que sentimentos negativos façam parte da vida, a permanência da tristeza, da melancolia e da perda de esperança deve ter atenção, assim como a falta de vontade constante de sair da cama. Nesses casos, é importante refletir sobre a necessidade de procurar ajuda externa, de um profissional de saúde mental. /COM AGÊNCIA FAPESP

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