Professora é diagnosticada duas vezes com zika

Irma Leal, que sofre com sequelas da síndrome de Guillain-Barré, não fez testes; por ora, instituto descarta novo vírus

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Por Roberta Pennafort
Atualização:
Angústia. 'Só queria minha vida de volta', diz paciente Foto: WILTON JÚNIOR/ESTADÃO

RIO - Aos 41 anos, a professora Irma de Souza Leal foge dos espelhos. Sempre foi vaidosa mas, desde que perdeu parte dos movimentos do rosto, em decorrência da síndrome de Guillain-Barré, sente-se triste ao ver a própria imagem. Nos últimos três meses, Irma foi diagnosticada com zika duas vezes – mas não fez testes para comprovar o diagnóstico. Ficou 13 dias internada em tratamento intensivo, com o corpo todo paralisado.

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“É uma situação inacreditável. Não achei que fosse morrer, mas que pudesse ficar para sempre na cadeira de rodas. Só quero minha vida de volta, trabalhar, dirigir, poder sair sorrindo numa foto no meu aniversário, agora em março”, disse Irma, que leciona história na Baixada Fluminense, onde mora com o marido e dois filhos.

Foi a filha mais velha, Anna Carolina, de 20 anos, quem buscou um diagnóstico preciso. Os primeiros médicos que examinaram a mãe, em novembro, não suspeitaram da Guillain-Barré. Aflita por vê-la chorando de dor e com mãos e pernas inertes dez dias após o primeiro diagnóstico de zika, Anna passou a buscar informações, até ler sobre a possibilidade de associação entre o vírus e a síndrome.

Até então, Irma vinha sendo tratada apenas para os sintomas da zika, não as sequelas. Em 9 de dezembro, enquanto Anna a levava para o hospital, Irma perdeu o controle dos músculos faciais. “Tentei acender um cigarro e não consegui. Não conseguia firmá-lo na boca. Não sentia mais a bochecha, não tinha autonomia das pernas e dos braços. Uma punção lombar mostrou que era Guillain-Barré. No CTI, não me mexia, a comida caía da boca. Tinha de usar fralda geriátrica. Era muito desespero, estava consciente e tentava racionalizar tudo”, relembra Irma, que recebeu imunoglobulina, anticorpo que restabelece o sistema imunológico, combatendo a Guillain-Barré, por cinco dias.

O temor da família é que ela tivesse os músculos do tórax responsáveis pela respiração afetados – nesses casos, os pacientes correm risco de vida. “O maior problema da doença é que nem os médicos entendem. Eles estão em processo de adivinhação. Fiquei assustado em ver como a evolução é rápida”, disse o marido, Eduardo.

Novo susto. No carnaval, quando Irma já melhorava em casa, com sessões de fisioterapia para recuperar a força muscular, surgiram novamente as manchas. Anna revoltou-se: “Começou tudo de novo! O dilema não tem fim. Ela pode ter esse vírus pela segunda vez? O que a gente faz? Espera as melhorias da fisioterapia regredirem?”, escreveu ela em uma rede social.

Segundo o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), que investiga as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, só foi descoberto um tipo de vírus causador da zika. Assim, não seria possível contraí-lo mais de uma vez. O instituto ressalvou, porém, que podem existir outros tipos de vírus que ainda não tenham sido classificados. Por ora, já se sabe que todos os doentes pesquisados foram infectados pelo mesmo vírus.

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O IOC informou já ter conhecimento do caso de Irma e que não há comprovação dos diagnósticos. O instituto supõe que ela tenha contraído duas doenças diferentes, com sintomas parecidos. A professora não foi submetida ao PCR, exame que localiza a presença de material genético do vírus. Foi examinada clinicamente e submetida a hemogramas. 

A fisioterapeuta que exercita Irma duas vezes por semana já avisou: dificilmente ela sorrirá para fotos em março. O restabelecimento completo está previsto para daqui a seis meses. A professora já consegue andar em casa, mas com dificuldade. À rua, só sai para consultas, acompanhada. O maior desconforto é no rosto: o lado direito segue paralisado, a língua não responde a comandos e o olho direito não fecha. Para dormir, usa gaze embebida em soro fisiológico, para que o globo não resseque. “Queria que alguém me explicasse o que está acontecendo. Nunca pensei que pudesse ficar assim, e por causa de um mosquito.” / COLABOROU FÁBIO GRELLET

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