Redução de danos é alternativa no combate às drogas

ONG de Sorocaba, no interior de São Paulo, realiza método de trabalho de aconselhamento aos usuários nas ruas

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Por Luiz Fernando Toledo
3 min de leitura

SOROCABA - O relógio marca 19 horas e a noite é fria em Sorocaba, interior de São Paulo. Começa a aglomeração de moradores de rua em frente à catedral da cidade, no centro, local onde são distribuídos sanduíches diariamente para a população carente. O redutor de danos Caetano de Campos Fontão, psicólogo de 25 anos, prepara sua mochila e se dirige ao espaço para ganhar confiança dessas pessoas. Ele dá expediente na ONG Pode Crer, vinculada à Secretaria de Saúde (SES), que realiza trabalho de redução de danos aos moradores de rua em estado de vulnerabilidade social.

Nos bolsos de Fontão, dezenas de preservativos e um cartão da ONG. Ele tem a missão de abordar os moradores de rua, usuários de droga ou não, e apenas conversar. Oferece a camisinha para iniciar uma conversa e depois, se necessário, leva conselhos para que não sofram os pesados efeitos do crack, mesmo que não deixem de usá-lo. "É uma alternativa ao combate. Nosso objetivo não é a abstinência total, mas pensamos que a pessoa pode fazer uso da droga de forma mais segura. Ela pode até usar, mas não precisa comprometer todas as esferas da vida", explica o psicólogo.

A aproximação é lenta e gradual, assim como conquistar a amizade de um desconhecido. "A gente se aproxima pelo diálogo e pelo respeito. Não somos da polícia ou da igreja. Não estamos lá para tirar a pessoa das drogas, só queremos oferecer algo que foi negado a elas", diz Fontão. Para ele, como as pessoas não têm companhia, o simples diálogo facilita o vínculo. O redutor de danos aconselha, por exemplo, a deixar de usar latas para consumir o crack, substituindo o recipiente pelo cachimbo.

A maioria dos moradores parece empolgada com a presença da reportagem e de Fontão, que está acompanhado de mais um redutor de danos da ONG, Otávio Machado. Só dois deles preferem se esconder - estão fazendo uso de maconha. E começam a contar a vida das ruas. Um deles pede para ser filmado cantando uma música de funk (veja vídeo abaixo). Outro garante ter sido um famoso jogador de futebol, embora não revele o nome nem a história - ele diz ter abandonado a vida "de conforto" após a morte do pai, quando se tornou usuário, e recusa contar o episódio.

O recomeço. Os diálogos terminam sempre com a entrega de um pequeno cartão com o endereço da ONG. Lá, uma equipe de sete pessoas oferece oito camas para que alguns possam passar a noite, além de promover atividades durante o dia. O serviço é parcialmente custeado pela prefeitura de Sorocaba por meio do Programa Municipal de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/Aids). De lá, os usuários podem ser encaminhados aos serviços competentes do governo municipal para realizar exames e obter documentos. No município, moradores de rua contam apenas com um albergue, o Serviço de Obras Sociais (SOS), que recebe cerca de 45 pessoas diariamente. 

Em um imóvel alugado, com quintal, cozinha, dois quartos e um escritório, a Pode Crer recebe qualquer morador de rua que quiser um espaço para dormir e se alimentar. Lá, eles têm aconselhamento de psicólogos, realizam atividades artesanais, participam de oficinas artísticas e são encaminhados a providenciar documentos como RG e CPF. Algumas marcas no local mostram que nem todos conseguem fazer bom uso do serviço - uma das portas estava com o trinco estourado, sinal de um roubo que ocorrera algumas semanas antes da entrevista, por ex-frequentadores do espaço.

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