Remédio antimalária dá resultado contra zika

O medicamento, cloroquina, protegeu neurosferas, estruturas celulares que reproduzem o cérebro em formação, em até 95%

PUBLICIDADE

Por Clarissa Thomé
Atualização:
O vírus zika é recente e foi inicialmente identificado em Uganda, em 1947, em macacos. Posteriormente, foi identificado em seres humanos, em 1952, em Uganda e na República Unida da Tanzânia. Surtos da doença são registrados na África, Américas, Ásia e no Pacífico. Foto: REUTERS / CDC / Cynthia Goldsmith

RIO - Um medicamento já usado contra a malária pode ser eficaz para blindar o cérebro de fetos contra a infecção pelo vírus da zika. Estudos em laboratório mostraram que a cloroquina protegeu neurosferas, estruturas celulares que reproduzem o cérebro em formação, em até 95%. O trabalho de pesquisadores dos Institutos de Biologia e de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa está disponível na bioRxiv – rede pública de compartilhamento de estudos científicos inéditos, mas ainda não revisados por profissionais independentes.

PUBLICIDADE

As estruturas foram expostas ao zika e depois tratadas, por cinco dias, com cloroquina em diferentes concentrações. Os testes mostraram que a droga inibiu a infecção e reduziu o número de neurônios infectados, protegendo-os contra a morte pelo vírus. A cloroquina baixou a quantidade de células infectadas entre 65% e 95%, em comparação com as não tratadas.

“Nossos resultados sugerem que a ação da cloroquina contra o zika deve ser imediatamente avaliada in vivo e, se tudo der certo, vai atenuar os danos cerebrais devastadores da síndrome congênita do zika e as lesões neurológicas em adultos”, diz o artigo, assinado por Rodrigo Delvechio, Stevens Rehen e Amílcar Tanuri, entre outros pesquisadores.

“A grande vantagem nessa corrida contra o vírus é que a cloroquina já é uma droga amplamente usada e não é contraindicada para grávidas. A ideia é que a pessoa comece a tomar antes de engravidar como forma de proteger o feto desde o primeiro dia”, afirmou o diretor do Instituto de Biologia da UFRJ, Rodrigo Brindeiro.

Ele ressaltou que é preciso fazer testes clínicos com animais e humanos. Em uma próxima fase, a cloroquina será testada em minicérebros, estruturas celulares mais complexas que as neurosferas, que simulam cérebros de fetos de três meses.

Reativação. Os pesquisadores do Instituto de Biologia da UFRJ também estudam casos em que o vírus é reativado no paciente, após alguns meses. “Estamos detectando no nosso laboratório casos de reinfecção. Quero alertar para isso porque tem a ver com o agravamento do quadro clínico associado ao zika do ponto de vista neurológico”, disse Brindeiro.

No segundo aparecimento dos sintomas, os doentes têm dor articular mais forte, que faz com que o diagnóstico se confunda com chikungunya. O exame mostrou que era zika. Os pacientes tiveram meningite e mieloencefalite. “É difícil acreditar em reinfecção porque o vírus é, ao contrário do da dengue, extremamente monótono, e os anticorpos já deveriam estar protegendo a pessoa contra uma nova infecção. A gente acredita que é uma reativação do vírus”, afirmou Brindeiro.

Publicidade

Mortes. Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, tem estudado mortes de adultos causadas por zika. Ele investigou três casos de pessoas que desenvolveram encefalites. Os pacientes tinham diabete, lúpus e púrpura trombocitopênica (doença autoimune que destrói plaquetas). “Observamos que algumas pessoas nessas condições, por algum problema ainda não identificado, talvez genético, são mais suscetíveis a morrer”, disse.

A pesquisa, submetida à revista científica Nature Medicine, mostra que o zika atinge sobretudo os neurônios, mas foi encontrado no coração, pulmão, rins e fígado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.