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USP vai entregar pílula contra câncer pelo correio

Instituto diz que enviará fosfoetanolamina para atender liminares, mas publica cartilha em que destaca não ter ‘dados sobre eficácia'

Por Paula Felix e Rene Moreira
Atualização:
Com câncer renal, a professora Alba Zilahi quer acesso à pílula, mas não pretende desistir da quimioterapia Foto: MÁRCIO FERNANDES/ESTADÃO

Com o aumento da procura e a correria ao câmpus de São Carlos (SP), a Universidade de São Paulo (USP) resolveu enviar pelo correio a partir de agora a fosfoetanolamina sintética, substância que muitos pacientes acreditam ser capaz de combater o câncer. Com isso, os doentes beneficiados até agora por 742 liminares terão de aguardar a fórmula em casa. A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica pretende apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a distribuição. 

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A procura ocorre no Instituto de Química de São Carlos (IQSC), que nesta sexta-feira, 16, divulgou um comunicado e uma cartilha com perguntas e respostas para orientar as pessoas. O material diz que ninguém deve ir buscar a substância no câmpus, mesmo quem obteve autorização judicial. “O IQSC será notificado da liminar por oficial de Justiça e encaminhará a substância via Sedex/AR no endereço constante na petição inicial. O serviço do correio será cobrado do destinatário”, diz a nota.

O instituto informa ainda que a encomenda “não é acompanhada de bula ou informações sobre eventuais contraindicações e efeitos colaterais”. E ressalta que “não dispõe de médico e não pode orientar nem prescrever a utilização da referida substância”. Também garante não possuir “dados sobre a eficácia no tratamento dos diferentes tipos de câncer em seres humanos”.

Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Evanius Wiermann diz que a entidade pretende procurar o STF para tentar reverter a distribuição. “Estamos nos movimentando para tentar sensibilizar o Supremo Tribunal Federal (STF). O que nos preocupa é o uso de uma droga sem segurança comprovada. Essa situação está criando uma jurisprudência para que qualquer pessoa use uma substância que não tem comprovação científica.”

Polêmica. A fosfoetanolamina foi estudada pelo professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, que era ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros. Na ocasião, segundo o IQSC, algumas pessoas chegaram a usar a substância como medicamento, o que era permitido pela legislação. Daí teriam surgido as primeiras informações de que a fórmula combateria o câncer.

Desde o ano passado, qualquer droga experimental somente pode ser testada com o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Um homem chegou a fabricar a substância em casa e acabou preso.

O instituto informou ainda que não distribui a fosfoetanolamina, porque a USP não assumiu a titularidade das pesquisas de Chierice. Entretanto, como tem capacidade de produção, o IQSC tem sido obrigado pela Justiça a fazer a droga sintética. A substância não foi testada clinicamente. O criador diz que chegou a acionar a Anvisa e não obteve retorno.

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Já o órgão divulgou nota nesta semana para garantir que nunca foi procurado para qualquer análise.

Segundo Chierice, o organismo produz a fosfoetanolamina. “O que fizemos foi sintetizar isso, em alto nível de pureza e em grande concentração.” Ele tem a patente da fórmula no Brasil.

Diretor-geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Paulo Hoff afirma que os estudos clínicos são essenciais para que a vida dos pacientes não seja colocada em risco. “O estudo determina os efeitos colaterais, a melhor administração e as indicações de medicação. Isso vale para um antibiótico e para um remédio contra o câncer. É o que dá noção de eficácia e segurança para ser usado.”

De acordo com Felipe Ades, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, uma substância não pode ser considerada um medicamento sem que estudos em seres humanos sejam feitos. “Isto não é uma burocracia, ou uma exigência legal, isto faz parte do processo científico que visa a produzir medicamentos verdadeiramente eficazes”, disse Ades. “A fosfoetanolamina não é, atualmente, uma opção de tratamento contra o câncer”, concluiu.

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Justiça. O assunto também chegou ao governo. Uma paciente de câncer abordou o governador Geraldo Alckmin durante visita ao interior pedindo para que liberasse a substância. Nas redes sociais, advogados se colocam à disposição de quem deseja pedir uma liminar.

O Tribunal de Justiça de São Paulo havia suspendido as liminares favoráveis à retirada da substância, a pedido da USP, mas depois liberou a distribuição, pois um paciente derrubou o veto no Supremo. O Estado procurou o Ministério Público Estadual, que informou não ter nenhum processo sobre o caso.

‘É a indústria do desespero’, diz oncologista

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Gilberto Amorim, oncologista clínico do Grupo Oncologia D’Or, diz que abandonar o tratamento convencional para experimentar a fórmula da pílula de fosfoetanolamina sintética pode trazer sérios prejuízos aos pacientes. “As pessoas não sabem os efeitos colaterais e podem deixar de fazer um tratamento que vai ser curativo em troca da indústria do desespero.”

Foi a opção feita pelo analista de sistemas José Luiz Neves Morales Sanchez, de 49 anos, que desde terça-feira está tomando as cápsulas de fosfoetanolamina. Diagnosticado com um câncer na coxa em 2013, ele já foi operado, mas a doença atingiu os pulmões. Sanchez conheceu a substância em setembro deste ano e decidiu não iniciar um tratamento com quimioterapia para poder testar o produto.

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“Foi a decisão da minha vida, porque eu acredito muito na substância. Conversei com pessoas que se curaram. Não vou fazer a quimioterapia, pois a cápsula trabalha com o sistema imunológico em boas condições”, diz. Ele afirma ter consciência de que não há comprovação científica de que o produto é eficaz, mas diz que não teme efeitos colaterais nem complicações. Mesmo assim, o analista de sistemas afirma que pretende fazer exames no próximo mês para verificar o progresso do tratamento alternativo. “Depois disso, vou tomar uma nova decisão.”

Nesta semana, mais mil pessoas chegaram a ir à USP em um único dia na tentativa de conseguir as cápsulas, sendo formadas filas e distribuídas senhas. A quantidade entregue a cada paciente é suficiente para cerca de 20 dias e a universidade afirma não ter condições de “produzir a substância em larga escala para atender às liminares”.

A professora Alba Zilahi, de 63 anos, já pensa em entrar na Justiça para conseguir a liminar. Ela tem um câncer renal que se espalhou para os ossos. “Estou fazendo tratamento desde 2012. Mas pretendo continuar a quimioterapia para ver como os dois tratamentos vão funcionar juntos.”

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