Variante de gene do rim pode ter influência sobre insuficiência cardíaca

Mudança em uma 'letra' da sequência genética prejudica canais dos rins e pode afetar coração

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Por Redação
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SÃO PAULO - Cientistas de instituições americanas identificaram pela primeira vez uma variante de sequência de DNA que não apenas está associada ao aumento do risco de insuficiência cardíaca, como parece ter um papel central entre as causas da doença. A variante - uma mudança em uma única “letra” da sequência genética -, comum na população, prejudica canais que controlam o funcionamento dos rins. O trabalho é publicado nesta semana pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). De acordo com um dos autores da pesquisa, Gerald Dorn II, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Washington em Saint Louis, não se trata de um gene do coração, mas do rim. “Essa proteína não é nem mesmo expressa no coração. Ninguém havia imaginado que esse defeito em um gene específico do rim pudesse predispor o paciente à insuficiência cardíaca”, disse Dorn. A insuficiência cardíaca é diagnosticada quando o coração não pode mais fornecer sangue suficiente para o corpo, e pode ter diversas causas, incluindo alta pressão sanguínea, terapia contra o câncer, infecções virais do coração e ataque cardíaco. “Trata-se de uma síndrome. O dano no coração é suficiente para que não funcione muito bem. O paciente então acumula fluido nos pulmões, sofre com inchaço e tem problemas para respirar”, explicou o professor. Os resultados inesperados destacam as vantagens da realização de estudos genômicos em larga escala com a finalidade de descobrir variantes de sequências de DNA associadas a doenças. “Foi um achado surpreendente. Trata-se de um bom exemplo de como é possível conseguir objetivos inesperados quando se parte de abordagens imparciais para estudar doenças humanas”, afirmou Thomas Cappola, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia e outro autor do estudo. Em um trabalho anterior, Dorn e sua equipe utilizaram uma técnica de pesquisa parcial do genoma para definir a região do DNA em que as mudanças em sequências estavam associadas à insuficiência cardíaca. Mas a maior parte dessas alterações não codificava para modificações em proteínas e parecia não causar aumento no risco. Apesar disso, elas serviram como marcadores, fornecendo pistas de que essa parte do genoma merecia uma análise mais detalhada. “Concluímos que tínhamos o CEP certo, mas estávamos na quadra errada”, comparou Dorn. Os cientistas então sequenciaram os genes vizinhos, buscando variações em partes do DNA que codificava para proteínas. Analisando três grupos de pacientes caucasianos com insiuficiência cardíaca, eles descobriram uma variante de sequência de DNA comum aos grupos e que estava ativamente envolvida na construção de uma proteína importante para o organismo. Uma única mudança em uma sequência de DNA de um gene chamado CLCNKA desencadeia uma alteração de arginina para glicina no 83º aminoácido da proteína. Essa proteína faz parte de um canal do rim responsável por controlar a secreção de íons cloreto na urina - um importante processo na manutenção do balanço adequado de sal e água no corpo. Aquela modificação isolada em um aminoácido reduzia pela metade a capacidade de o canal transportar íons cloreto por meio da membrana celular. A hipótese dos cientistas é que o resultado dessa redução pode ser a elevação, no sangue, dos níveis do hormônio conhecido como renina. Testes com bloqueador A renina é produzida no rim e representa o primeiro sinal de um efeito em cascata que pode causar danos ao coração. Isso abre a possibilidade de ajudar pessoas que têm essa variante a reduzir seu risco de insuficiência cardíaca com drogas normalmente indicadas para tratar a hipertensão, incluindo inibidores do ACE (Enzima de Conversão da Angiotensina, na sigla em inglês) e bloqueadores do hormônio aldosterona. Para determinar a efetividade dessa abordagem, Dorn e os colegas projetaram um teste clínico que será aplicado nas universidades de Washington e da Pensilvânia e testará se os efeitos do gene de risco podem ser combatidos por um bloqueador de aldosterona. Se for possível, a descoberta abre portas para uma terapia preventiva personalizada, com base no genótipo dos indivíduos. Durante a vida, as pessoas têm em média uma chance em cinco de desenvolver insuficiência cardíaca. Para quem apresenta uma cópia da variante da sequência genética, esse risco pode crescer 27%. Para os que possuem duas cópias - uma do pai e outra da mãe -, o risco de desenvolver insuficiência cardíaca pode aumentar em 54%. Cerca de um quarto dos caucasianos têm duas cópias dessa variante genética. Ter as duas cópias, no entanto, não é razão suficiente para causar a insuficiência cardíaca, segundo Dorn. “Há muita gente andando por aí com essa variante e sem nenhum sinal da doença. Mas achamos que, se um paciente tem essa predisposição e acontecer algo mais a ele - como desenvolver uma hipertensão ou ter um pequeno infarto -, isso aumentará em muito as chances de ele desenvolver insuficiência cardíaca”, explicou.

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