À espera de atendimento, sedativo ou dispensa do trabalho: histórias de quatro mortos por covid

O Estadão conta a história de quatro brasileiros que teriam maior chance de sobrevivência se tivessem recebido a assistência adequada. País chegou nesta quarta a 90 mil mortes e 2,5 milhões de casos confirmados de covid-19

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Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

Internado com covid-19 em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Rio, Antônio conseguiu na Justiça o direito de ser transferido para um leito de UTI. A liminar, porém, não foi cumprida a tempo. O paciente morreu após esperar dois dias pela transferência. A história não é exceção. Só no Estado do Rio, ao menos 730 pessoas morreram entre abril e junho sem suporte necessário, à espera de um leito de enfermaria ou UTI, segundo levantamento da Defensoria Pública do Rio.

Rafaela perdeu o pai. Jorgesó conseguiu ser internado em um hospital público de São Paulo na quarta vez que procurou ajuda Foto: Taba Benedicto/Estadão

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Evandro também morreu esperando. Mesmo com falta de ar, não pôde ser entubado pois as unidades de referência para covid em Macapá, onde ele vivia, não tinham medicamentos sedativos e anestésicos necessários para o procedimento. Evandro provavelmente também não foi o único a morrer pela falta do insumo. Desde maio, hospitais de todos os Estados registram escassez ou desabastecimento desse tipo de medicação. O Ministério da Saúde foi oficiado na época pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) sobre o problema, sem que uma solução definitiva tenha sido apresentada.

Jorge, por sua vez, conseguiu leito, respirador e medicação, mas a assistência chegou tarde demais. Ele só conseguiu ser internado em um hospital público de São Paulo na quarta vez que procurou ajuda. Nas duas primeiras, foi mandado de volta para casa. Quando finalmente foi hospitalizado, o quadro já era crítico e ele morreu dias depois. Assim como Jorge, outros brasileiros não tiveram acesso a atendimento precoce. Uns foram internados quando o estado já era grave. Outros morreram em casa. Só na capital paulista, dobrou o número de óbitos por problemas respiratórios ocorridos no domicílio durante a pandemia.

No caso de Juraci, o que demorou foi a liberação para se afastar do trabalho. Mesmo com idade avançada e histórico de doença crônica, a técnica de enfermagem de 72 anos só foi dispensada do hospital onde atuava na capital paulista cerca de 20 dias após a doença chegar à cidade, quando o cenário já era de transmissão comunitária.

Nos dias anteriores ao seu afastamento, reclamou a familiares da escassez de máscaras. Três dias depois de ser dispensada, começou a ter sintomas de covid. Onze dias mais tarde, não resistiu. O caso de Juraci também não foi o único. Ao menos 176 profissionais de saúde já morreram de covid no País desde o início da pandemia. Alguns não haviam recebido Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados, o que pode ter facilitado a infecção.

Antônio, Evandro, Jorge e Juraci não foram mortos apenas pelo novo coronavírus. Foram também vítimas da falta de leitos, do desabastecimento de medicamentos, da demora no atendimento, da falta de cuidado com os profissionais de saúde - problemas que poderiam ter sido solucionados ou minimizados com melhor planejamento e eficiência nas ações dos Estados, municípios e governo federal. É certo que, em muitos casos, a doença mata mesmo que todos os recursos médicos sejam empregados. Em outros tantos, atrasos ou falhas no atendimento podem ser determinantes para a evolução de um paciente. 

O Estadão conta a seguir a história desses quatro brasileiros que teriam maior chance de sobrevivência se tivessem recebido a assistência adequada. Além destas, quantas das mais de 90 mil vidas perdidas até agora poderiam ter sido salvas com mais recursos e responsabilidade dos que comandam o País?

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