A torcida sob vigilância dos cardíacos

Contra a tensão das partidas, pacientes são acompanhados por equipe médica em hospital

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Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

SÃO PAULO - Haja coração! A expressão que ficou famosa na voz do locutor esportivo Galvão Bueno não poderia ser mais literal para um grupo de torcedores brasileiros para os quais controlar a emoção na hora do jogo da seleção brasileira pode ser uma questão de vida ou morte, principalmente a partir deste sábado, quando começa a fase mais tensa da Copa do Mundo: os mata-matas.

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Para pacientes internados com problemas cardíacos, um jogo do Brasil aumenta o alerta da equipe médica e a apreensão da família. Transplantados, operados ou à espera de uma cirurgia do coração, eles precisam controlar a emoção para evitar que um lance mais tenso no jogo não prejudique seu estado de saúde.

Enquanto isso, médicos e enfermeiros monitoram de perto qualquer alteração cardíaca e, se necessário, receitam até calmantes para controlar os ânimos.

“No geral, mantemos o cuidado diário com o paciente cardíaco, mas em casos de torcedores mais fanáticos, às vezes é necessário prescrever um ansiolítico, para baixar a ansiedade e evitar que a frequência cardíaca dispare”, diz Américo Tangari Junior, cardiologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Em quase todos os casos, os médicos não proíbem os pacientes de assistirem ao jogo no hospital. “Para alguns, ficar sem ver a partida pode gerar mais ansiedade”, diz o especialista.

Os torcedores mais exaltados, porém, acabam tendo uma atenção especial da equipe. “A enfermagem já é informada sobre os pacientes mais propícios a se emocionarem, então a gente faz mais visitas, passamos no quarto deles no meio do jogo, no intervalo, monitoramos pressão e batimentos cardíacos, se necessário”, conta Douglas Romão, gerente de enfermagem da unidade de internação do Hospital do Coração (Hcor).

Coração novo. O jogo entre Brasil e Camarões da última segunda-feira, que definiu a classificação da seleção brasileira para as oitavas de final, foi o teste para o novo coração do aposentado Luiz Carlos Garcia Werner, de 61 anos.

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Torcedor fanático do Santos e fã de Neymar, ele passou por um transplante há pouco mais de um mês, após ficar exatos cem dias na Unidade Terapia Intensiva do Beneficência Portuguesa à espera do órgão. O jogo com Camarões foi o primeiro a que ele conseguiu assistir totalmente lúcido, após a cirurgia.

Luiz Carlos e sua mulher Foto: Érica Dezonne/Estadão

Além do monitoramento constante feito pelos aparelhos do próprio hospital, a mulher do aposentado, Maria Cristina Werner, decidiu comprar aparelhos individuais de monitoramento de pressão arterial e oxigenação e ficar ao lado do marido durante os 90 minutos acompanhando os índices.

“Apesar de gostar muito de futebol, ele não costuma se exaltar, então não teve grandes variações. Ainda bem”, conta ela.

Apesar da preocupação da mulher, Werner está confiando mais em seu novo coração do que na própria seleção brasileira. Motivo: o doador do órgão tinha apenas 20 anos e ótimas condições físicas. “Agora tenho um coração de jovem. Espero poder testá-lo em uma final entre Brasil e Argentina, mas estou achando difícil, o time tem bons jogadores, mas não está conseguindo se encaixar”, opina o paciente.

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Para o recém-operado coração de Valdir Bernardino Tavares, de 51 anos, o primeiro teste será neste sábado, no jogo entre Brasil e Chile. Na quinta, ele fez uma cirurgia para colocar um stent no órgão. Hoje, vai ter de torcer em repouso e sem se exaltar. “Pior que comecei a passar mal no dia do jogo de abertura do Brasil. Mas agora vou me controlar, a gente acaba colocando a saúde em primeiro lugar.”

Para os que nunca tiveram um problema cardíaco e pensam que, por isso, podem extravasar durante os jogos, o diretor clínico do Instituto do Coração (InCor) e do setor de cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, Roberto Kalil, adverte: a tensão de um jogo pode ser mais prejudicial para pessoas aparentemente saudáveis do que para pacientes internados.

“Muitos nem sabem que têm hipertensão, colesterol alto, obstrução em alguma artéria, e, ao passar por uma grande emoção, podem ter algum problema cardíaco”, diz ele. “O ideal é ter bom senso e evitar estresse desnecessário, além de cuidar sempre da saúde”, recomenda.

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