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Abin alertou Palácio do Planalto e ministros sobre caos em cemitérios pela covid-19

Documentos obtidos com exclusividade pelo 'Estadão' revelam que agência mostrou desespero de famílias em Manaus

Por Mateus Vargas
Atualização:

BRASÍLIA - A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertou o Palácio do Planalto e ministros sobre situações de caos em cemitérios do País e a falta de espaços para sepultamentos, causados pelo aumento de óbitos pela covid-19. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro tem acusado gestores de fazer "terrorismo" ao buscar novos espaços para enterros e chamou de "bosta" o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), por abrir covas coletivas. Em informes sobre a pandemia que somam cerca de 950 páginas, com datas de 27 de abril a 13 de maio, obtidos pelo Estadão com exclusividade, a Abin mostra o desespero de famílias que não encontram parentes mortos em enterros precários em Manaus (AM).  "Famílias relatam desaparecimento temporário dos corpos de familiares que morreram na rede pública de saúde. No cemitério público Nossa Senhora Aparecida, a prefeitura informou que os corpos serão enterrados em valas comuns, empilhados três a três", apontou a agência em documento de 29 de abril. No mesmo informe, a Abin afirma que cresce em Manaus a opção de cremar corpos "por não haver mais espaço suficiente nos cemitérios públicos" para vítimas da doença.

Vista aérea mostrando coveiros enterrando uma pessoa no cemitério de Nossa Senhora Aparecida, no bairro de Taruma, em Manaus. Foto: Michael DANTAS / AFP

Ainda segundo a agência, caixões na capital do Amazonas foram abertos por pessoas que buscavam parentes. "A ação ocorre após trocas e desaparecimento de cadáveres." Apesar de alertas de autoridades de saúde e da Abin, conforme informa o Estadão, Bolsonaro reclama da mobilização de gestores de Estados e municípios para dar conta de enterrar mortos pela covid-19. No começo de abril, o presidente chamou de “terrorismo” a abertura de dezenas de covas rasas no cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, cena registrada em foto que ilustrou a capa do jornal  The Washington Post, dos EUA. Sobre a mesma foto, ele também questionou, em 2 de abril, durante entrevista à Rádio Jovem Pan: “Precisa disso?”. Em reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro chamou de "bosta" o prefeito de Manaus por abrir covas coletivas. “Aproveitaram o vírus, está um bosta de um prefeito lá de Manaus, agora, abrindo covas coletivas. Um bosta", disse. As imagens da reunião foram divulgadas após decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), em inquérito sobre suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal (PF). No mesmo encontro, o presidente disse a seus auxiliares que o prefeito de Manaus estava "aproveitando" a pandemia para levar um "clima desse, para levar o terror ao Brasil". Dias após a reunião com ministros, em 4 de maio, a Abin informou sobre chegada de reforço de 300 urnas funerárias a Manaus, cidade já com a capacidade de enterros esgotada. "Devido à falta de estoque, algumas empresas interromperam os sepultamentos privados", escreveram os agentes de inteligência. "A área aberta no início de abril de 2020 no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, principal cemitério público da cidade, está praticamente cheia. Devido ao aumento da demanda e ao esgotamento de locais para enterro, há projeto da criação de novo cemitério em Manaus", completa a nota. Os informes da Abin abastecem o Centro de Coordenação de Operação do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 (CCOP). Coordenado pela Casa Civil, o órgão foi criado em março, quando Bolsonaro atuava para retirar o protagonismo do Ministério da Saúde na crise. Na reunião com ministros, em 22 de abril, Bolsonaro afirmou que não recebia informações suficientes dos órgãos oficiais e disse preferir seu próprio serviço de inteligência. "Sistemas de informações... o meu funciona. O meu particular funciona. Os que têm (sic) oficialmente, desinformam", disse o presidente, na ocasião. "Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que tenho." A Abin faz, desde março, diagnóstico da situação da pandemia no País e um mapeamento de casos da doença no exterior. Como revelou o Estadão no domingo, adota, nos documentos endereçados ao Planalto e a ministérios, discurso oposto ao do presidente sobre a pandemia de coronavírus. No começou de abril, por exemplo, aagência afirmou que decretar rígida quarentena foi determinante para achatar a curva de casos na Espanha, Itália, França, Alemanha e Reino Unido. Bolsonaro, no entanto, é crítico das medidas de isolamento.Dificuldades de sepultamento no Norte e Nordeste Nos informes obtidos pelo Estadão, o Abin aponta dificuldades para o sepultamento de vítimas da covid-19 principalmente no Norte e  Nordeste. Em 2 de maio, os agentes de inteligência apontaram filas de carros funerários no Instituto Médico Legal (IML) em Belém (PA). "Um caminhão frigorífico foi posicionado no local para armazenar corpos." O número de sepultamentos em alguns cemitérios da cidade, segundo a agência, era cinco vezes maior do que o comum. A agência escreveu ainda, em 7 de maio, sobre protesto de moradores do bairro Tapanã, na periferia de Belém, contra a abertura de covas no cemitério particular Parque de Nazaré. "Eles temem que o enterro de pessoas que tiveram covid-19 possa poluir o lençol freático e contaminar poços artesianos na área", explicou a Abin. "Por falta de vagas no cemitério público do Tapanã, a prefeitura comprou parte do terreno desse cemitério particular para fazer os enterros", ainda segundo o órgão. A Abin também alertou sobre colapso em necrotério do Hospital Municipal Lourenço Jorge, no Rio. Segundo o órgão de inteligência, a unidade tinha "corpos enfileirados em cima de macas em um corredor", em 30 de abril, e dois profissionais já haviam morrido pela covid-19. "Ao menos sete médicos pediram demissão alegando falta de condições de trabalho." Em Recife, em 5 de maio, cerca de 600 das 3 mil novas sepulturas abertas para vítimas da covid-19 desde março já estavam ocupadas, mostrou a agência. Mesmo com estoques de urnas e espaço para enterros, o Acre ainda estava em fase de "adaptação" em 11 de maio, segundo a Abin. Os sepultamentos no Estado foram realizados "sem nenhuma regulamentação oficial". Procurados, a Presidência da República e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) não se manifestaram. 

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