Acordo não garante produção de vacina chinesa contra o coronavírus no Brasil

Negociação inicial feita por SP assegura testes locais e governo afirma que vai contratar depois fabricação do imunizante no País

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Por Bruno Ribeiro
Atualização:

O contrato anunciado na semana passada pelo governo paulista para a produção de vacinas para o coronavírus em São Paulo prevê que o imunizante será uma sociedade entre o Instituto Butantã e o laboratório chinês Sinovac Biotech, mas ainda há uma série de fatores, além da comprovação da vacina, para serem considerados, antes da eventual produção da vacina em São Paulo. 

O contrato, anunciado pelo governador João Doria (PSDB) na quinta-feira, data em que o Estado ultrapassou a marca de 10 mil mortes, está sob sigilo, uma situação que o presidente do Instituto Butantã, Dimas Covas, disse ser de praxe por envolver questões relacionadas ao desenvolvimento do produto. O Estadão havia pedido ao governo paulista acesso à íntegra do documento, o que não foi atendido. O maior benefício do acordo, disse Doria na semana passada, “é a transferência de tecnologia para a produção nacional, em larga escala”, completou. “É isso que vai atender de fato a população e salvar milhões de vidas de brasileiros.” 

Farmacêuticas estão em fase de produção da vacina contra o coronavírus Foto: Rungroj Yongrit/EFE

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Segundo Covas, o acordo não envolve cifras monetárias, uma vez que o compromisso é que o Butantã faça o estudo clínico da vacina, que tem o nome provisório de Coronavac. Ele estima, com base em outros estudos clínicos já feitos pelo instituto, que o investimento necessário seja da ordem de R$ 85 milhões. “O acordo inicial é que o Butantã seja responsável pela produção de vacinas, mas é lógico que isso (produção) não está contratado ainda”, disse Covas. “Você não vai contratar uma coisa que ainda está em desenvolvimento. O acordo tem ‘se’, tem fases. Se essa fase for bem-sucedida, vou para a próxima fase. São os ‘ses’ que envolvem essa parceria”, afirmou Covas. 

Essa gama de incertezas abre espaço, segundo Covas, até para que vacinas feitas na China sejam usadas no SUS, no lugar da produção local, “num primeiro momento, até recebendo mais vacinas (da China) enquanto a fábrica do Butantã não estiver operacional”, afirmou. Ele ressalta que a vacina terá um rótulo “Butantã-Sinovac”.

Desse modo, a viabilização de se produzir ou não o imunizante no Estado ainda depende de uma série da fatores. “O Butantã vai fazer o estudo clínico e ele tem acesso a essas vacinas, produzidas na China. Em um segundo momento, o Butantã vai discutir a tecnologia para a produção em larga escala. Aí, em um terceiro momento, e aí a vacina vai ter de estar adiantada, você fala: vou investir de fato em uma fábrica”, diz Covas.

A decisão pelo investimento em uma produção própria está atrelada à certeza da eficácia da vacina e à disponibilidade de doses importadas. A capacidade de produção da Sinovac, segundo Covas, é de milhões de doses, mas diante do tamanho do mercado chinês, a remessa para o parceiro paulista poderia não ser suficiente. Segundo Covas, as vacinas já estão sendo produzidas na China, com os riscos do investimento assumidos pela Sinovac.

“O Butantã tem as instalações, mas não tem as instalações na escala de necessidade de uma vacina mundial”, afirmou Covas. Além disso, há discussão sobre qual será a demanda do produto quando a vacina estiver pronta. “Não se sabe se essa vacina será necessária no futuro. O risco é enorme, você não sabe. Você está fazendo uma parte agora, lá na frente você não sabe qual vai ser a real necessidade dessa vacina. O vírus pode não circular mais, como aconteceu com SARS”, disse o médico. “O acordo prevê a fase completa, desenvolvimento clínico, transferência de tecnologia e produção”, segundo Covas. Mas, a cada nova etapa, termos aditivos entre as duas partes terão de ser assinados. 

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Para o Butantã, o mais interessante no acordo com a Sinovac Biotech é o estudo clínico que comprova a eficiência da vacina. “Eu não pago royalties. O Butantã é sócio dos chineses. O Butantã é dono do estudo clínico. O sucesso da vacina está no que nós estamos fazendo. A vacina da Sinovac, sem o estudo clínico, ela vai poder ser usada na China. Não vai poder ser usada aqui no Brasil”, afirma. 

O plano do Butantã, de qualquer modo, é produzir uma vacina nacional, e há contato com outros laboratórios para viabilizar a produção, caso o produto da Sinovac não dê certo. A vantagem do produto chinês, diz Covas, é que a tecnologia usada neste tipo de vacina já é conhecida pelo instituto paulista.

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