Acordo prevê retirar 144 mil toneladas de açúcar de alimentos e bebidas até 2022

Governo federal e 68 empresas do setor – que representam 87% do mercado nacional – firmaram compromisso de mudar receita de produtos como rosquinhas e achocolatados; pelo pacto, ingrediente não poderá ser substituído por adoçantes ou gorduras

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Por Ligia Formenti e Paula Felix
Atualização:

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Após meses de negociação e atrasos no cronograma, o Ministério da Saúde divulgou nesta segunda-feira, 26, acordo com a indústria de alimentos e de bebidas para reduzir os teores de açúcar de biscoitos, bolos, produtos lácteos, achocolatados e misturas para bolos. A meta é retirar 144 mil toneladas do ingrediente nesses produtos nos próximos quatro anos. 

Julia, de 11 anos, tirou salgadinhos e doces da dieta e ensinou a mãe a ficar atenta aos rótulos dos produtos Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

O número sozinho é alto, mas representa 2% do uso de açúcar usado pela indústria no preparo nas categorias dos alimentos que fazem parte do acordo. Neste primeiro momento, a iniciativa vai envolver 68 empresas – 87% do mercado brasileiro nessas categorias. A exemplo do acordo de redução de sal, também feito pelo governo com a indústria, a meta não significa que todos os produtos terão mudança na fórmula. Mais da metade (52,1%) já cumpre os indicadores fixados no acordo. De um universo de 2.397 produtos, 1.147 terão de mudar a fórmula.

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A meta pouco ousada é explicada pelo ministério. A ideia foi fazer uma média do emprego de açúcar nos produtos e, com base neste cálculo, definir a redução. Questionado se, com a mudança, os produtos poderão ser considerados saudáveis, o ministro da Saúde, Gilberto Occhi, afirmou: “Vamos buscar que o cidadão tenha informação. Gradativamente, com a redução do nível de açúcar desses alimentos, se tornarão gradativamente mais saudáveis”.

Coordenadora de Alimentação e Nutrição da pasta, Michele Lessa emendou: “O ministério recomenda que a população consuma, em sua maioria, alimentos in natura ou minimamente processados”. Mas, segundo ela, boa parte da população usa produtos processados. “E essa agenda é para reformulação, para que se tornem um pouco mais saudáveis”, completou.

Foi só este ano que a secretária Lilian Kamada, de 43 anos, começou a ficar atenta aos rótulos. Isso foi incentivado pela filha Julia, de 11 anos. Aluna do Colégio Santa Maria, na zona sul paulistana, ela aprendeu na escola sobre a importância de observar os elementos presentes na comida. “O colégio sempre pediu lanches saudáveis e mandávamos. Mas, em casa, comíamos tudo errado. Ano passado ela estava com sobrepeso e mudamos tudo”, conta Lilian.

Salgadinhos e doces foram substituídos por uma dieta equilibrada e saudável e Julia perdeu seis quilos. “Estou gostando. Agora estou comendo frutas e verduras”, conta a garota.

Mudança ocorrerá por etapas

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Pelo cronograma, empresas terão de fazer a mudança em duas fases, de dois anos cada. O acompanhamento será feito a partir de rótulos e de análises laboratoriais. Empresas que não cumprirem o pacto serão notificadas. Como é voluntário, não há penalidade. A maior redução será das rosquinhas. A cada 100 gramas de rosquinha, 75 gramas são de açúcar. A ideia é que, em quatro anos, esse teor caia para 28,2 gramas, redução de 62,4%. Cada 100 gramas de wafers têm 54,9 gramas de açúcar. O plano é, com redução de 30,1%, esse teor vá para 38,4 gramas. Os porcentuais variam de acordo com produto. Alguns achocolatados terão seu teor de açúcar de 95 gramas (a cada 100 gramas do produto) para 85 gramas.

Michele Lessa, do ministério, destaca que a redução dos teores de açúcar não será acompanhada da adição de adoçantes ou gorduras, por exemplo. “O açúcar tem outras funções, cor, textura. Mas nossa recomendação foi a simples redução do açúcar, sem acréscimo de outros ingredientes”, disse.

Dados do governo indicam que o brasileiro consome 50% a mais de açúcar do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Em média, por dia, cada habitante ingere 18 colheres de chá do produto. Na última década, o diabete cresceu 54% nos homens e 28,5%, entre mulheres.

Alexandre Jobim, da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas, afirma que o consumo de refrigerantes no País cai ano a ano. “Não é o refrigerante o causador da obesidade, que é multifatorial.” Já Wilson Mello Neto, da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação, diz que a indústria trabalha pela inovação de produtos. “As mudanças não podem ser abruptas.” Para ele, o fato de o consumidor se afastar de um produto não significa, necessariamente, que optará por outro melhor.

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“Antigamente, o açúcar era associado apenas ao diabete. Hoje, a ciência já sabe que ele está associado a doenças do coração, que estão entre as principais causas de morte”, afirma Rachel Francischi, nutricionista da Casa Moara, da Casa Curumim e do Núcleo Cuidar, espaços de atendimento humanizado para mães e crianças.

O açúcar presente na formulação dos alimentos e que aparece nos rótulos com outros nomes, como sacarose, frutose e xaropes também merece atenção.

"A pessoa pega um biscoito tipo maisena ou um iogurte sabor morango e não tem a ideia da quantidade de açúcar que eles têm. São duas colheres de chá de açúcar no biscoito e quatro em um pote de iogurte, diz Rachel.

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Advogada e uma das coordenadoras do movimento Põe no Rótulo, Cecília Cury, de 38 anos, diz que a iniciativa é importante e que o consumidor precisa sempre ter acesso ao que está consumindo por meio de informações claras que devem estar no rótulo.

"A gente valoriza o fato de o governo estar atento ao papel da alimentação para o aumento das doenças crônicas e da obesidade. A indústria também deve esclarecer por que está diminuindo o açúcar, usando a sua potência para comunicar."