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‘Aedes’ faz parto cair e aborto avançar em Pernambuco

Número oficial de nascimentos tem redução de 26% em 1 ano; má-formação preocupa mães

Por Monica Bernardes
Atualização:

RECIFE-O receio de ver os filhos nascerem com complicações provocadas pelas arboviroses (dengue, chikungunya e zika) tem provocado dois fenômenos entre casais e mulheres que vivem em Pernambuco, com destaque para o Recife e região metropolitana: a diminuição de gestações planejadas e o aumento do número de abortos, após a identificação de má-formações e doenças neurológicas em fetos. 

Apesar do apoio até psicológico, há mais relatos de aborto por zika e chikungunyua Foto: : ANDERSON NASCIMENTO/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/

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De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde não há estatísticas oficiais sobre o tema, mas nos bastidores de maternidades públicas e privadas o assunto tem chamado a atenção de médicos e outros profissionais de saúde. Para se ter uma ideia da dimensão da preocupação de mulheres e casais, de acordo com dados dos boletins de rotina da Secretaria Estadual de Saúde, em setembro de 2015 o número total de partos no Estado - na rede vinculada ao Sistema Único de Saúde - foi de 8.918. Um ano depois, em setembro deste ano, o total chegou a 6.627, o que significa uma redução de 26%.

A assistente social Flávia Fragoso, que atua em duas equipes multidisciplinares que fazem o atendimento em unidades de saúde de referência no tratamento das complicações provocadas pelas arboviroses em bebês e gestantes, observa que o número de abortos tem crescido entre as mulheres que recebem o diagnóstico precoce de problemas neurológicos em seus bebês. “Não temos dados oficiais, mas nós, que estamos na ponta e tratamos no dia a dia com essas mulheres, sabemos que a maioria que abandona a rotina de consultas e exames com as equipes especializada é porque recorreu ao aborto. Infelizmente tem sido cada vez mais comum. Por mais apoio e informação que elas recebam dos profissionais de saúde, se não houver a acolhida, o conforto e a segurança em suas famílias, eles se sentirão incapazes de cuidar destas crianças”, explicou. 

De acordo com os médicos, entre os principais problemas apresentados pelos recém-nascidos cujas mães tiveram chikungunya - doença que está em alta em todo o País - são dificuldade respiratória severa, hemorragias cerebrais, meningoencefalite e paralisia cerebral. Já no caso de crianças infectadas pelo vírus da zika os principais problemas estão relacionados à microcefalia, problemas neurológicos e motores, dificuldades na visão e audição, além de retardo no desenvolvimento geral.

CRM. Reservadamente, um profissional que atua no Conselho Regional de Medicina de Pernambuco revelou que o tema aborto já está sendo estudado pela entidade. “Temos recebidos relatos diversos de profissionais muito preocupados com esta questão. E a falta de dados concretos dificulta qualquer ação mais eficaz. Afinal, o aborto nesse casos é criminalizado e as mulheres que o fazem estão à mercê da sorte”, destacou. O Estado obteve dois relatos de moradoras do Recife, capital de Pernambuco, um dos locais no País com maior registro de casos de arboviroses e casos confirmados de microcefalia.

‘Até hoje eu acordo todas as noites com um vazio no peito’

G.D. e J.M.D., moradoras do Recife que optaram pelo aborto

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Aos 28 anos, a balconista G.D. entrou em desespero, em julho, quando descobriu que o bebê que esperava apresentava problemas neurológicos severos, hemorragia cerebral e meningoencefalite. O diagnóstico foi feito por exames de imagem, a pedido dos médicos, logo após ela ter sido diagnosticada com chikungunya. No quarto mês de gestação decidiu interromper a gravidez. Mãe solteira temeu por não conseguir garantir a sobrevivência do novo bebê e do primogênito, Lucas, que tem paralisia cerebral. “Eu estava disposta a ter o bebê e estava até feliz por poder dar um irmão ou irmã para o mais velho. Mas quando descobri que o bebê tinha problemas de saúde graves e, se conseguisse nascer, iria depender de mim para tudo, desisti.”

Ela chegou a ser acolhida por médicos e psicólogas. “Todo mundo me deu apoio. Não falei nada sobre a intenção de abortar. Fiquei com medo que me denunciassem. Fui embora e sumi. Procurei uma amiga e ela me levou em uma clínica clandestina onde ela já tinha feito um aborto no ano passado. O meu namorado me deu o dinheiro. Claro que fiquei triste, mas sabia que era o que tinha de fazer”, afirmou. 

Vazio. Três semanas após receber o diagnóstico de que o bebê que gestava era portador de microcefalia e tinha problemas de má-formação nos braços e pernas a professora J.M.D, 30 anos, também acabou abortando. “Eu estava com cinco meses de gravidez. Nem sabia que o mal-estar e a febre que eu tinha tido meses antes de engravidar era por causa da zika. Mas quando descobrimos que o bebê tinha problemas neurológicos graves, nosso mundo caiu.”

“Meu marido entrou em depressão, chorava o dia todo. Tomei a decisão de abortar sozinha. Ele foi comigo até uma clínica indicada por uma vizinha. Foi muito doloroso. Não sou religiosa, mas sofro sem saber se realmente o que eu fiz foi o melhor. Na minha cabeça, naquele momento era. Afinal, que vida esse bebê iria ter? Tudo aconteceu em agosto e até hoje eu acordo todas as noites com um vazio no peito”, lamentou.

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