'Agora, o mosquito não vai me ganhar'

Em entrevista ao 'Estado', ministro apontou parceria com os EUA para vacina e destacou importância de combate ao 'Aedes'

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Por Rodrigo Cavalheiro
Atualização:
O ministro da Saúde Marcelo Castro Foto: Juan Ignacio Mazzoni/EFE

MONTEVIDÉU - Duas semanas depois de afirmar que o País perdia feio a luta contra mosquito Aedes aegypti, transmissor do zika vírus, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, mudou o tom em Montevidéu, onde participou de uma reunião emergencial com autoridades sanitárias da América. Ao entrar na sede do Mercosul, às 9 horas, disse que o vírus está "sob controle" e, "apesar das dificuldades econômicas" da administração federal, não faltará dinheiro para matar os insetos e pesquisar uma vacina. 

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No dia 22, ele causou controvérsia ao avaliar que o País havia perdido a batalha. Uma semana depois, a presidente Dilma Rousseff disse que se tratava de uma "constatação da realidade" e a luta seria perdida enquanto o inseto se reproduzisse. Segundo o ministro, há 4,7 mil suspeitas e 400 confirmações de microcefalia, casos de bebês que nasceram com crânios menores que o normal e problemas neurológicos. O governo associa esses casos ao vírus, que atingiu entre 400 mil e 1,5 milhão segundo o ministério (a variação ocorre porque 75% dos casos não são percebidos pelo doente). 

Castro disse que no dia 11 chegarão ao Brasil técnicos americanos para trabalhar em uma vacina contra o vírus. A parceria foi negociada em telefonemas entre a presidente Dilma e o americano Barack Obama e do próprio Castro com a secretária de Saúde dos EUA. Questionado sobre se o controle de fronteiras era uma preocupação, Castro relativizou a tentativa de bloquear a passagem de um país a outro. "O vírus de certa forma já se espalhou por todo o continente."

  Ele admitiu que no fim de abril, quando a doença foi identificada na Bahia, os sintomas eram considerados mais leves que os da dengue, transmitida pelo mesmo inseto. "Seis, sete, oito meses depois é que vieram as consequências mais graves, porque apareceram os casos de microcefalia."

Uma hora antes da reunião com ministros, Castro concedeu entrevista exclusiva ao Estado no hotel ao qual chegou de madrugada.

O que de concreto pode sair de uma reunião com ministros de outros países como essa?

O Brasil está passando por uma epidemia. A ideia é compartilhar nossa experiência com eles. O caso da zika deixou de ser só um problema do Brasil, é de todo o continente. A Organização Mundial de Saúde (OMS) acha que só dois países na América do Sul estaria livres do vírus zika, que seriam o Chile e o Canadá.

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O senhor quer dizer a América em geral, não só do sul, correto?

Isso, de todas as Américas. A OMS chega a falar em pandemia de zika. E chega a números alarmantes de que poderíamos ter aqui nas Américas 4 mil casos de zika.

O senhor quer dizer 4 milhões de casos, correto?

Isso, isso, 4 mil só o Brasil já tem (o País tem 4 mil casos suspeitos de microcefalia). O que está chamando a atenção dos cientistas é a velocidade com que esse vírus está se espalhando. É diferente dos outros, que demoraram mais para se difundir tão rapidamente. 

Qual a razão?

Alguns acham que era porque nós éramos inteiramente desprotegidos desse vírus, nunca tivemos contato com ele em toda a nossa história. As Américas não têm história de contato com o zika, ele estava circunscrito à África, ao Sudeste Asiático e à Oceania.

O Brasil teve dificuldade maior por ter sido a porta de entrada, ser o primeiro a lidar com a situação, sem saber bem o que era?

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Nós agimos prontamente. O problema é que o vírus foi detectado no fim de abril, começo de maio, na Bahia. Esse vírus não existia aqui entre nós e, como provocava sintomas bem mais brandos que a dengue... Apenas dois sintomas são mais intensos, a vermelhidão no corpo, e o prurido. E também a vermelhidão da conjuntivite. Fora isso, os outros sintomas são mais brandos. Acompanhamos com todo interesse e cuidado zika e chikungunya, mas... Na verdade foi uma surpresa para a ciência mundial, não para a ciência brasileira. O descobrimento de que o zika estava causando microcefalia.

Para o Brasil essa relação está clara?

Para o Brasil, isso é inequívoco! São vários fatores que conjugados nos dão, não a mim, mas a toda a academia, à ciência brasileira, essa convicção. Por quê? Houve uma epidemia de zika no Brasil que nunca tinha havido. Tempos depois, coincidindo, tem uma epidemia de microcefalia. A imensa maioria dessas mulheres que tiveram crianças com microcefalia relatam que nos primeiros meses tiveram febre e tal, que caracteriza a zika. Esse vírus foi detectado e houve uma epidemia maior no Nordeste. É onde está tendo uma epidemia maior de microcefalia. Onde o vírus não é detectado no Brasil ou aparece com baixa incidência, também não é detectada ou tem baixa incidência a microcefalia. E muitos casos de crianças com microcefalia são de famílias que estiveram no Nordeste, isso é importante.

Isso é suficiente para provar a ligação?

Foi também detectado o vírus no líquido amniótico de duas gestantes da Paraíba, foi o primeiro caso, em que as crianças tinham microcefalia ainda no útero da mãe. Foi detectado o vírus em uma criança do Ceará, que morreu em seguida, pelo Instituto Evandro Chagas, no Pará. Foi detectado o vírus na placenta de uma senhora que abortou no Paraná, pela Fiocruz. E por último, um cientista nosso, Pedro Vasconcelos, também do Evandro Chagas, encontrou uma proteína no líquido de uma criança com microcefalia que só pode ter sido por contato. Tudo isso, o achado biológico e os epidemiológicos, leva o Ministério da Saúde a afirmar com segurança, desde 29 de novembro, que é o zika que está causando a microcefalia. O que não podemos dizer com 100% de certeza é que seja o único fator determinante. Mas com toda certeza é determinante.

O Brasil já está conseguindo ganhar a batalha contra o mosquito? Sua declaração de que estava perdendo teve muita repercussão.

Pois é, o que é que ocorre... Estamos há pelo menos 30 anos com a presença do vírus no Brasil. Do vírus não, do Aedes aegypti, do mosquito. Então, me parece bastante óbvio que nesses 30 anos o mosquito tem ganhado. O que eu venho dizendo: 'Agora, o mosquito não vai me ganhar'.

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Mas isso é uma vontade ou um fato?

A sociedade, com o governo, está fazendo o esforço máximo necessário. Agora, vamos ganhar porque não podemos perder. O mosquito, além de estar transmitindo a dengue, está transmitindo a chikungunya e principalmente a zika, que está causando microcefalia.

Mas que investimento feito vai mudar o que ocorreu nos últimos 30 anos?

Nunca houve uma mobilização do governo federal como agora. Temos 46 mil agentes de combate às endemias no Brasil inteiro. Isso sempre ocorreu. Além disso, nós colocamos mais 266 mil agentes comunitários de saúde para combater também o mosquito. Além disso, colocamos as Forças Armadas. Os governadores colocaram as polícias militares, os bombeiros. Os 5.570 conselhos municipais de saúde estão mobilizados, todos os prefeitos. Montamos uma sala de controle nacional que foi reproduzida por todos os Estados e essas salas estão acompanhando as ações em todos os municípios. Tudo isso, mais a participação da sociedade.

Com essa estrutura toda, quando o senhor acha que vai controlar a epidemia?

O nosso grande trabalho é fazer o que estamos fazendo, botar o máximo esforço. No dia 13, vamos ter 220 mil militares, do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, nas ruas chamando a sociedade para participar. Mais de dois terços dos criadouros de mosquitos estão dentro das residências. Qual a segurança que eu tenho que nós seremos vitoriosos? Primeiro, nós já fomos vitoriosos no passado. Segundo, temos dezenas, inúmeros exemplos de cidades que resolveram eliminar o mosquito e conseguiram. Em todas houve a mobilização da sociedade.

Então a sociedade da maioria das cidades não está devidamente mobilizada?

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Não, a sociedade está bem mobilizada, bem informada... Mas o esforço dessa vez precisa ser maior. Estamos intensificando, fazendo o máximo e precisamos fazer mais ainda pelo Brasil inteiro.

O senhor pode dar um exemplo concreto de mobilização?

Vamos supor um quarteirão que tenha 100 residências. E que em 99 dessas 100, as pessoas façam bem e não deixem nenhum criadouro de mosquito. E uma só não faça. Se nessa casa tiver um criadouro, é suficiente para abastecer todas as outras 100 e mais as outras vizinhas.

O senhor fala "abastecer de mosquitos"?

Isso, de mosquitos. Outro caso. Se uma cidade fizer bem o trabalho de combate ao mosquito. E o fizer por 11 meses e não por um. É suficiente para voltar tudo à estaca zero. Por quê? Uma fêmea do mosquito, durante toda a sua vida, 30 a 40 dias, produz mais ou menos 400 ovos. Façamos o raciocínio de que metade vire fêmea. São 200 novos e cada um vai produzir 200. Rapidamente vira uma progressão geométrica exponencial e contamina tudo. Quer dizer, volta toda a população original. 

E os Jogos do Rio, ministro?

Me permita concluir. Nós só podemos dormir tranquilos quando tivermos a vacina. E nós estamos rapidamente procurando todas as parcerias. Hoje, um dos nossos melhores cientistas, da Evandro Chagas, está na Universidade do Texas. Essas negociações vem sendo feitas há mais de um mês, entre aEvandro Chagas e a Universidade do Texas, que é a que tem o maior conceito e experiência em arboviroses do mundo para desenvolver uma vacina para o vírus. Estive (falando)com a ministra dos EUA, não é ministra, é secretária de Saúde dos EUA. Depois de um telefonema da presidente Dilma com Barack Obama. Estabelecemos que no dia 11 vêm os técnicos dos EUA para cá, para intensificarmos uma parceria do Instituto Butantã com o NIAID (Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas) dos EUA. Já temos essa parceria para uma vacina para a dengue, que já está na fase 3, para termos uma para zika. Além disso, temos o Bio-Manguinhos, da Fiocruz, que tem uma parceria com o GSK, um dos laboratórios privados mais importantes do mundo, para a parceria da vacina da dengue. E eles estão nessa semana, foi o que me disseram há pouco, esperando uma resposta para desenvolver uma para o zika também. Além disso, o Butantã está desenvolvendo soro para combater a doença e está desenvolvendo também anticorpos monoclonais para combater a doença. 

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O senhor pode traduzir? 

Estamos agindo de todas as frentes. Estamos testando agora os mosquitos transgênicos, os mosquitos contaminados com uma bactéria, ovitrampas (espécies de criadouros que servem como armadilha) impregnadas de larvicida, novas tecnologias. Enquanto tudo isso não vem, só temos uma arma, combater o mosquito. 

Qualquer pessoa poderá ir aos Jogos do Rio? O senhor aconselharia qualquer pessoa a visitar a cidade?

Qual é a posição do Ministério da Saúde? Estamos dizendo que a zika é grave para gestantes. E o ato de engravidar, em qualquer época, é sempre um ato que deve ser precedido de cuidados. No momento em que estamos vivendo, de epidemia de microcefalia, as mulheres devem tomar cuidados redobrados.

Melhor não virem?

Vale para as mulheres brasileiras, vale para qualquer mulher dentro do Brasil. Estamos fazendo o máximo, governo federal, estadual e municipal. Estamos com índices bastante satisfatórios no Rio de Janeiro. Esperamos que até agosto, quando ocorrerem as Olimpíadas, que é inverno, quando naturalmente a população dos mosquitos já cai, e com mais as ações dos governos estadual, federal e municipal, controlar o máximo para o risco ser mínimo e as pessoas poderem vir com relativa segurança.

Se a presidente Dilma lhe desse férias amanhã, o senhor iria para o Nordeste com sua família ou para uma praia uruguaia, onde o zika não chegou?

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Como eu já lhe disse, o perigo da zika não é para a população geral. Quer dizer, é um perigo porque é uma doença. Mas o grande perigo da zika é para gestantes. Essas mulheres devem se proteger com todos os cuidados, porque é uma coisa de consequência muito grave ter uma criança com microcefalia.

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