Um de cada mil brasileiros teve a vida ceifada pela covid-19 em 2020, taxa de mortalidade quatro vezes superior à média do mundo ou o triplo, se excluirmos da conta a China. Números tenebrosos que refletem, não apenas a incompetência no combate à epidemia, mas a indiferença frente a tal necessidade, tão tristemente ilustrada por repetidos discursos do presidente da República.
Sem atitudes de alguns governadores e prefeitos, que comandaram medidas de isolamento, a tragédia seria maior; e não fosse a ausência de uma coordenação nacional, talvez metade dessas pessoas ainda estivesse conosco.
Mantido o rumo atual, chegaremos a meio milhão de mortes daqui a um ano.
A imunização tem que começar logo, incluir todas as vacinas que forem aprovadas, porém seu impacto vai demorar. Novos leitos de UTI serão novamente necessários; mais do que isso, é urgente o reforço da atenção primária à saúde, com dezenas de milhares de novos agentes de saúde e outros profissionais que multipliquem a capacidade do SUS para rastrear casos, testar amplamente, impor isolamentos e quarentenas, além de estabelecer comunicação direta e capilarizada em cada localidade do país.
Ações que não podem ser improvisadas, precisam integrar um conjunto mais amplo, num plano nacional debatido publicamente, que inclua também o planejamento da economia, investimento público em setores essenciais para enfrentar a epidemia, com geração de empregosalém do apoio financeiro a diversos segmentos sociais. A preservação de vidas justifica qualquer hipotético endividamento.
Como parece pouca a disposição do governo para abandonar a linha genocida, vamos persistir - profissionais de saúde, cientistas, imprensa e quiçá muitos outros setores da sociedade que se disponham a lutar pela vida, GRITAR ainda mais alto, difundir conhecimentosbaseados em ciência e, no âmbito individual, cultivar a paciência, a esperança e proteger todos que pudermos, cumprindo as cansativas e inadiáveis recomendações de distanciamento, uso de máscaras e abolição de todo tipo de aglomeração ou reunião.
O tempo é aliado da epidemia, a cada novo dia de omissão, muitos de nós tombarão!
*Claudio Maierovitch, ex-presidente da Anvisa, é médico sanitária da Fundação Oswaldo Cruz e ex-diretor de Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde