Alergia dos filhos inspira pais a inovar

Produção de alimentos sem glúten ou milho vira negócio familiar - e ajuda outros alérgicos

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Por Paula Felix
Atualização:

Mariana Pierre, de 32 anos, ouviu de várias pessoas que seu filho seria excluído socialmente por ter alergia alimentar. Diziam que ele não seria convidado para festinhas com bolos, doces e salgados recheados com proteína do leite, soja, milho e glúten, produtos que não podem fazer parte da rotina do garoto de 3 anos e meio. Ela não concordou e se tornou mais uma das mães empreendedoras que estão abrindo lojas especializadas em alérgicos.

“Eu pensei: ‘Vou fazer um lugar para as mães terem onde comprar alimentos e não deixarem de chamar meu filho’. Quando abrimos, ficamos surpresos do quanto as pessoas estavam precisando dessa comida fresca, sem conservantes. Estão aparecendo muitas mães fazendo comida em casa por encomenda, e abrimos o negócio de acordo com a alergia do filho”, diz a proprietária da Lilóri, que começou a funcionar nos Jardins, na zona sul, em agosto do ano passado e serve refeições variadas, além de doces e salgados.

Diagnóstico do filho fez Adriana (no centro) notar a falta de locais com comida para alérgicos Foto: Hélvio Romero/Estadão

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O brigadeiro é feito com leite condensado de amêndoas. “Para engrossar e dar consistência, usamos biomassa de banana verde. Estamos tentando trazer nutrientes para essas crianças”, conta.

Foi a partir do diagnóstico de seu segundo filho que a empresária Adriana Fernandes, de 41 anos, notou a necessidade de locais com comida preparada para os alérgicos, sem o risco da presença de traços de produtos alérgenos, como castanha e frutos do mar. “Ele nasceu em 2013 e era alérgico a multiproteínas. Passava pelo leite e ele vomitava. Fiz uma exclusão de alimentos na minha dieta. Só comia arroz, legumes e frango. Por causa da amamentação, entrei no universo da alergia alimentar.”

Adriana diz que já planejava ter um negócio na área alimentar há dez anos, mas a experiência em casa - ela tem uma filha de 7 anos com alergia respiratória - fez com que optasse por compartilhar os pratos de seu livro de receitas com outros pais de alérgicos quando precisou escolher a área em que atuaria. E assim nasceu o Mandala Comidas Especiais, em Perdizes, na zona oeste.

“Começamos em abril deste ano e estamos conquistando a confiança das pessoas e conseguindo bons sabores. Isso me anima como empreendedora, mas me anima mais como mãe, por fazer com que mais pessoas tenham acesso a uma alimentação segura”, conta Adriana.

A redatora publicitária Isis Coelho, de 31 anos, é uma das clientes de Adriana e tem três filhos alérgicos. “Os gêmeos têm 11 meses e comecei uma dieta quando estava amamentando. Eu não me arriscava a comer em lugar nenhum. Quando descobri essa opção, foi um grande alento no coração.” A filha mais velha, Amelie, de 5 anos, recebeu diagnóstico tardio. “Ela tem alergia de moderada para alta, e descobrimos neste ano. Estamos na luta para suspender o leite. É difícil, porque as pessoas sempre oferecem algo que acaba tendo leite.”

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Isis prepara a maior parte dos alimentos em casa, mas sempre tem um estoque de lanches para oferecer à filha, principalmente em passeios. “Compro quibe e hambúrguer. É muito gostoso. A comida pode ser saborosa de outras maneiras, não precisa ter sempre manteiga e leite condensado.”

Leite de vaca, soja, peixes e frutos do mar, oleaginosas e frutas secas não entram na alimentação de Elis Bellotto, de 3 anos. Rótulos de produtos estão sempre sob o olhar atento da mãe, a advogada Mônica Bellotto, de 39 anos. “A qualidade de vida de qualquer pessoa que vive com alérgicos é difícil. Mas, com as novas lojas, você não fica mais sete dias na cozinha, dá para curtir os filhos.”

Experiência. Antes de lidar com os dois filhos alérgicos a leite, a proprietária da SOS Alergia, Sandra Matunoshita, de 37 anos, encarou o bullying e a exclusão por ter sido também uma pessoa com restrições alimentares por causa da alergia. “Há 11 anos, uma pessoa falou que eu estava começando um negócio do futuro, mas, hoje, ainda não é um negócio do presente. Mesmo assim, acho que a tendência é crescer, só que isso tem de ser feito com responsabilidade, porque estamos oferecendo alimentos para quem corre risco de morrer.” A loja fica em Marília, no interior paulista, e tem dez franquias. “A gente cresce muito e os alérgicos ganham.”

Coordenadora da campanha Põe no Rótulo, Cecília Cury, de 35 anos, notou o empenho de pais para oferecer alimentos seguros e diz que isso tem sido organizado principalmente nas redes sociais, onde eles trocam informações sobre o assunto.

“Meu filho nasceu em 2011 e não tínhamos todas essas opções. Ainda não temos dez empresas aqui em São Paulo, mas, no ano passado, eram apenas quatro”, contabiliza.

Cecília diz que a obrigatoriedade de citar alérgenos em rótulos, determinada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no mês passado, foi uma vitória, mas que os pais devem continuar atentos. “Algumas pessoas acompanharam, mas não sabem que as regras começam a valer para as empresas daqui a um ano.”

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