Alergias respiratórias: conheça as causas e como se prevenir

Mudanças abruptas de temperatura podem desencadear crises de rinite, doença presente em cerca de 30% da população mundial; algumas alterações na rotina podem ajudar a amenizar a resposta alérgica

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Por Katia Arima
Atualização:

Na sua infância, o fonoaudiólogo Camilo Bastos vivia espirrando e com coceira no nariz. Bastava uma variação no clima ou um cheiro forte para desencadear as crises. “Cresci ouvindo minha mãe e avó dizerem que aquilo era uma mania boba e nunca fui levado ao médico para ver esse problema”, conta Bastos, 27, que se lembra de tomar chás oferecidos pela família na tentativa de aliviar os sintomas. Ele não fazia ideia de que tinha rinite alérgica e de que precisava de tratamento para essa doença crônica que inflama as mucosas do nariz e acomete 30% da população mundial, segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). 

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Foi só já adulto que ele procurou um médico por sentir que os sintomas prejudicavam seu trabalho como cantor. Fez um tratamento medicamentoso por quatro meses, passou a lavar o nariz com soro frequentemente e até mudou de casa por recomendação do especialista. “Se antes eram de cinco a oito crises por ano, hoje eu tenho apenas uma, bem mais branda, pois me cuido”, diz.

Uma alergia é uma reação exacerbada do sistema imunológico a agentes externos. No caso das alergias respiratórias, as mais comuns são a rinite e asma, embora essas doenças inflamatórias nem sempre sejam causadas por alergia. Enquanto a rinite inflama as mucosas das vias aéreas superiores, a asma atinge as vias aéreas inferiores, o que a torna perigosa, já que a passagem de ar pode ser bloqueada, interromper a oxigenação e levar à morte se não houver assistência médica. 

A asma atinge 10% da população mundial e quase sempre (90% dos casos) vem acompanhada da rinite. “São doenças de alta prevalência na população, que não devem ser tratadas somente em momentos de crise, mas de maneira contínua justamente para prevenir essas crises”, afirma o alergologista Pedro Bianchi, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador do Departamento Científico de Asma da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai).

Na maioria das vezes, são os ácaros os agentes externos que provocam a alergia respiratória, que é essa resposta exagerada do organismo. Esse minúsculo animal se alimenta de descamações da pele humana e se prolifera com facilidade em ambientes úmidos e mornos. Seus restos mortais e fezes são inalados com o pó e podem provocar reações alérgicas, especialmente em pessoas com predisposição genética – ou seja, a alergia respiratória é uma herança familiar. Mofo (fungos), pólen e proteínas presentes na pele ou corpo de diversos animais – inclusive em restos mortais de baratas – são outros alérgenos. 

Quando uma pessoa tem a rinite alérgica, os sintomas mais comuns são coceira no nariz, obstrução nasal e espirros em série. O asmático costuma sofrer de falta de ar, chiado no peito (sibilos), tosse e dor torácica. “Pode se apresentar apenas um desses sintomas ou os quatro juntos”, diz Bianchi.

Poluição, cheiros de perfume ou de produtos de limpeza, fumaça de cigarro não provocam alergias respiratórias, mas podem desencadear crises de rinite ou asma, diz Bianchi. “Quem tem essas doenças fica com as vias aéreas inflamadas e sensibilizadas, já que é difícil se livrar de ácaros ou outros alérgenos. Essas substâncias podem causar uma hiper-reação do organismo que levam às crises.”

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Leticia Petraglia tem crises de asma e rinite no inverno: 'É complicado até para comer' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Esfriou, atacou a rinite

inverno é a estação mais cruel com aqueles que têm rinite ou asma não só por conta do frio e do ar seco e mais poluído, mas porque as pessoas se concentram em ambientes fechados – com isso, há mais casos de gripes e resfriados. “Gripes e resfriados são uns dos principais desencadeadores de crises de rinite e asma. E aí a pessoa fica com sintomas de mais de uma doença ao mesmo tempo”, explica Bianchi. 

Gripes e resfriados são uns dos principais desencadeadores de crises de rinite e asma

Pedro Bianchi, professor da USP

A covid-19, por sua vez, não é uma ameaça maior para os asmáticos que estão com a doença controlada, em comparação às outras pessoas – ao contrário do que se imaginava no início da pandemia. “Na pandemia, o número de internações por crise asmática no SUS caiu de 100 mil para 50 mil por ano, provavelmente por causa do uso de máscara e consequente diminuição de casos de gripes e resfriados”, diz o alergologista.

Mudanças abruptas de temperatura, comuns no outono e no inverno, também podem desencadear crises de rinite ou asma, afirma o médico. “A função do nariz é filtrar, umedecer e aquecer o ar antes que chegue aos pulmões. Quando a temperatura cai, o corpo faz com que a passagem de ar no nariz fique mais estreita para poder aquecer esse ar, o que pode levar a pessoa a sentir mais dificuldade para respirar”, esclarece. 

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A assistente administrativa Náyra Zanini, 29 anos, percebe que a queda de temperatura faz os seus sintomas de rinite alérgica piorarem. Em 2020, ela começou a se incomodar com o problema, quando passou a trabalhar em casa e sentir coceira no nariz e espirros constantes. “Isso afetava o meu dia, já que era impossível respirar direito, meu rosto inteiro coçava.” 

Em junho do ano passado, Náyra foi ao médico, que fez perguntas relacionadas à sua rotina e ao ambiente doméstico. Solicitou também exames de sangue e o prick test, prova de sensibilidade cutânea em que substâncias que podem causar alergia são colocadas em contato na pele do paciente para verificar sua reação. “Esse teste confirmou os resultados do exame de sangue, que apontaram que eu tenho alergia a fungos, ácaros e pelos de cachorro”, diz. 

Determinada a combater a rinite, Náyra seguiu à risca o tratamento indicado pelo médico: tomou o medicamento antialérgico, passou a lavar o nariz com soro de manhã e à noite e mudou algumas rotinas da casa, como trocar as roupas de cama com mais frequência. “Parei de tomar o remédio, mas nunca mais tive crises. Os novos hábitos de lavar o nariz e cuidar do ambiente tiveram um bom resultado para mim”, diz. 

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Os novos hábitos de lavar o nariz e cuidar do ambiente tiveram um bom resultado para mim

Náyra Zanini, que tem rinite alérgica

A maquiadora Helen Souza sofre de rinite alérgica desde criança, mas ainda não conseguiu se livrar dos sintomas incômodos. “Espirro mais de 30 vezes de manhã, principalmente se o tempo estiver frio e seco. Por conta da coceira no nariz, ele chega a sangrar, pois os vasos se rompem. Já passei por muitos médicos, que sempre receitam antialérgicos, mas os sintomas sempre retornam, geralmente piores do que da última crise”, lamenta. 

O que dizem os médicos

É importante que as pessoas que manifestem sintomas da rinite ou asma alérgica procurem um médico, já que as duas doenças pioram a qualidade de vida, diz o alergologista Fábio Castro, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). “Na asma isso é evidente, mas a rinite é traiçoeira e vai derrubando as pessoas devagarinho, prejudicando o sono, o que tem um impacto no humor e, no caso de crianças, até problemas na dentição, já que ela passa a respirar pela boca.” Para fazer o diagnóstico, o médico se atenta ao histórico do paciente e pode solicitar exames de sangue e testes de contato de extratos do alérgeno com a pele.

A rinite é traiçoeira e vai derrubando as pessoas devagarinho, prejudicando o sono, o que tem um impacto no humor

Fábio Castro, professor da USP

Para tratar a rinite, os médicos prescrevem medicamentos para aliviar o paciente dos sintomas e corticoides para desinflamar as vias aéreas, além de fazer recomendações de higiene ambiental, diz Castro. Segundo ele, quem tem alergias respiratórias precisa combater o ácaro, alérgeno responsável por 80% dos casos de rinite ou asma. 

“É melhor buscar um ambiente arejado, ensolarado e fácil de limpar, sem excesso de itens como bicho de pelúcia, plantas e livros. O piso e as superfícies lisos, de pedra ou vidro, sem carpete, tapete ou tecido, são hostis para o ácaro, que gosta de um lugar escuro, morno e úmido”, detalha. Ele aconselha que a limpeza seja feita com aspirador de pó com filtro com tecnologia HEPA ou de água, para evitar que o pó seja suspenso no ar.

Alergia a animais

Quando uma pessoa é alérgica a animais, essa limpeza é mais difícil. A proteína que causa a alergia em pessoas predispostas, presente na pele e na saliva dos bichos, é minúscula e pode demorar meses para ser removida do ambiente, mesmo depois de semanas que o animal saiu do local, segundo Fátima Fernandes, médica pediatra especialista em Alergia e Imunologia. Ela esclarece que não é o pelo do animal que causa a alergia, mas essa proteína que fica em suspensão no ar e acaba por ser inalada. “A proteína presente na saliva do gato tem um potencial maior de desencadear uma ação inflamatória em uma pessoa alérgica.” 

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Leticia Petraglia quer tentar a imunoterapia para minimizar as crises alérgicas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Embora se fale em cães e gatos “antialérgicos”, não existem pets com essas características, afirma a pediatra e alergologista Debora Alvarez. Caso a alergia a animais seja comprovada, ela recomenda que o bicho deixe de circular em áreas da casa como o quarto e, se possível, evitar o contato. 

Mas para quem é apaixonado pelo animal de estimação, essa separação é difícil. Letícia Fortuna, de 11 anos, tem rinite e asma alérgica, mas não aceita se distanciar da cachorra “vira-lata” da família, Alegria. Com três anos de idade, Letícia fez o teste de prick que indicou que ela tinha alergia a ácaros e animais. “Ela gosta mesmo é de agarrar muito, abraçar, rolar no chão com o bichinho, mas todas as vezes que faz isso os olhos começam a lacrimejar e a inchar, depois vem o nariz escorrendo e se a alergia é muita, começa a tossir e a manifestar a asma. Sempre temos o remédio antialérgico por perto”, diz a mãe dela, Marcia Fortuna, de 44 anos.

A família percebeu que a mudança de cidade, de São Paulo para Sorocaba, no interior paulista, ajudou a amenizar as crises. “Com o tempo, a alergia diminuiu, mas ela sabe que não pode abusar.”

Uma opção de tratamento para quem deseja conviver com os bichos sem crises ou tem outros tipos de alergia é a imunoterapia, que expõe gradualmente o paciente ao alérgeno, por meio de extratos aplicados por injeção ou via sublingual. “O propósito da chamada ‘vacina para alergia’ é dessensibilizar o sistema imunológico do paciente para não reagir mais àquela proteína no animal ou outra substância que dá alergia”, explica a alergologista Debora Alvarez. O tratamento, porém, leva pelo menos 3 anos. 

O propósito da chamada ‘vacina para alergia’ é dessensibilizar o sistema imunológico do paciente para não reagir mais àquela proteína no animal ou outra substância que dá alergia

Debora Alvarez, alergologista

A tecnóloga em radiologia Leticia Aparecida do Nascimento Petraglia, de 42 anos, gostaria de tentar a imunoterapia para amenizar suas crises de rinite e asma alérgica, mas não consegue arcar com o custo do tratamento por todo esse período. “Só em medicação, teria que gastar mais de R$ 4 mil por ano”, calcula. Alérgica a poeira e mofo, ela costumava ser levada às pressas ao pronto-socorro quando criança, para controlar as suas crises de asma.

“Com a evolução dos medicamentos, foi possível controlar as crises em casa mesmo quando tinha picos”, conta ela, que sempre carrega a medicação para a asma na bolsa. Dos sintomas, ela não se livra, principalmente no inverno. “Nessa época, nas crises, tenho dificuldade de respirar, cansaço excessivo por qualquer esforço físico, e isso acarreta em dores nas costas e abdômen pelo esforço de respirar. O nariz entope e coça horrivelmente. Fica complicado até para comer”, diz.

Asma não tem cura, mas tem controle

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Por ser uma doença crônica, a asma não tem cura, mas pode ter sintomas controlados e entrar em remissão, isto é, os sintomas podem desaparecer temporariamente por mais de 12 meses sem uso de medicamento, afirma o pneumologista Clystenes Odyr Soares Silva, professor do departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em 60% das crianças com asma, a doença entra em remissão, segundo o médico. O pneumologista afirma que 50% dos casos de asma são leves, mas que mesmo assim é preciso ficar atento.

“Mesmo quem tem asma corre o risco de ter uma crise e morrer se não for bem tratado”, diz. No entanto, ele observa que há muitas pessoas que não tomam providências ou não conseguem minimizar os riscos. “Há aqueles que têm dificuldade de aceitar que têm a doença por vaidade, aqueles que continuam fumando e aqueles que precisam seguir trabalhando com produtos de limpeza e outras substâncias que fazem mal”, diz.

Para o diagnóstico, o médico se baseia no histórico do paciente, em exames de sangue e em um teste chamado espirometria, que faz a prova de função pulmonar. Quem tem asma geralmente recebe do médico a prescrição de medicamentos corticoides inalatórios – a famosa “bombinha”, que não atua de forma sistêmica, mas localizada. “Esse é o carro-chefe dos tratamentos e traz controle pleno, mas precisa ser utilizado da forma correta para que chegue ao pulmão”, afirma Silva. 

Segundo ele, um erro comum entre os pacientes asmáticos é “dar um tempo” no tratamento sem consultar o médico, pois a manutenção ajuda a prevenir as crises. Apenas 3% dos casos de asma são considerados graves, quando os especialistas recorrem ao tratamento com medicamentos imunobiológicos, que promovem uma terapia alvo, que age em pontos específicos do sistema imunológico.

Além de recomendar evitar contato com substâncias alérgenas e prescrever os medicamentos adequados a cada paciente, o pneumologista Clystenes Silva recomenda aos asmáticos parar de fumar, ter as vacinas contra a gripe e pneumonia em dia, tratar doenças como refluxo e rinite, que podem agravar o quadro, e praticar exercícios físicos se a doença estiver controlada.

O alergologista Pedro Bianchi reforça a importância de não tratar apenas as crises de asma, principalmente a automedicação. “Se a pessoa recorre aos corticoides sistêmicos, irá resolver suas crises por alguns meses, mas terá outros problemas de saúde como pressão alta, diabete e úlcera”, alerta. Sob orientação médica, o asmático terá melhor resultado se fizer um tratamento com corticoide inalado.

Na família da produtora de conteúdo digital Tamiris Salgado Faria, de 33 anos, as recomendações médicas são seguidas à risca. Ela e seu filho Pedro, de 3 anos, já chegaram a ficar hospitalizados para controlar crises, que eram comuns. Eles usam a “bombinha” de remédio de forma contínua, mas eventualmente, ainda sofrem com falta de ar e chiado no peito. “Tenho medo que o Pedro tenha uma crise sem que alguém que tenha conhecimento esteja por perto. Ter uma crise de asma é como se afogar aos poucos no seco.” 

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Todos os dias, Tamiris usa o aspirador de pó e passa um pano no chão, para evitar o contato com a poeira e conta como uma ajudante para fazer uma limpeza profunda nos armários. “Antes de acertarmos o tratamento, nossa qualidade de vida era muito baixa. Ele tinha dificuldade de brincar, correr e se divertir. Mas com o tratamento a diversão está garantida.” 

Como controlar a rinite e a asma

Confira as recomendações dos especialistas consultados pelo Estadão a quem sofre de rinite ou asma alérgica.

  • Medicamentos: Não recorra à automedicação e nem se trate apenas nas crises, pois isso pode prejudicar a sua saúde. Acompanhamento médico é essencial.
  • Limpeza: Encare o aspirador de pó como a ferramenta de limpeza mais importante da sua casa. Procure os mais potentes, que tenham filtro HEPA ou filtro de água. Não use a vassoura ou espanadores, que levantam o pó. Equipamentos de ar condicionado de casa ou do carro precisam ser higienizados para evitar a proliferação de ácaros, fungos, vírus e bactérias.
  • Umidificador: O umidificador pode ajudar nos dias mais secos, mas é preciso tomar cuidado para não deixar o ambiente úmido demais e propício para a proliferação de ácaros, que gostam de ambientes úmidos e mornos.
  • Sol: Aproveite os dias de sol forte para matar os ácaros em travesseiros e edredons.
  • Armário: Opte por capas de travesseiro e colchão antialérgicas. Se for tirar edredons, casacos e outras roupas que ficaram guardadas no armário por muito tempo, não deixe de lavar e, de preferência, estender ao sol antes de usar. 
  • Exercícios: A prática de exercícios físicos aeróbicos pelo menos três vezes por semana ajuda a inibir crises de asma. Porém, antes de praticar, procure orientação médica, pois é preciso ter a asma sob controle para se exercitar.
  • Casa: Bichos de pelúcia, livros, carpetes, tapetes e cortinas são depósitos de ácaros e pó. Quanto menos, melhor. Se não tiver como eliminar todos esses itens, procure guardar em plásticos e aspirar o pó com frequência. Se possível, dê preferência a sofás e poltronas de couro, que são mais fáceis de limpar e acumulam menos pó.
  • Deflagradores: Perfumes fortes, fumaça, poluição, produtos de limpeza podem irritar ainda mais as mucosas das vias aéreas, desencadeando crises. Evite o que for possível.
  • Lavagem nasal: Aprenda a fazer a limpeza nasal com soro fisiológico morno para retirar o excesso de muco.

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