Ameaça nas águas, peixe-leão vira iguaria nos restaurantes

Explorar essa característica saborosa comercialmente em grande escala, porém, tem sido algo desafiador. Muitos acham que a carne do peixe-leão é venenosa

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Por Redação
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Tina Johnson tem uma proposta simples para solucionar o problema do peixe-leão nas Bahamas, ao melhor estilo olho por olho, dente por dente. Se quisermos impedir que ele coma os outros peixes do recife, raciocina ela, temos de comê-lo primeiro. "Afinal, é assim que acabamos com todos os outros peixes, não é? Comendo-os", argumenta a comerciante de Nassau, na ilha de New Providence, capital das Bahamas. Por mais de 20 anos ela foi uma vegetariana radical. Até que, em setembro do ano passado, resolveu abrir uma exceção no cardápio e no estômago para o peixe-leão. "Achei que era minha obrigação como cidadã", diz ela. E o melhor de tudo: "É uma delícia, cara!"

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Agora, Tina não só come peixe-leão regularmente em casa como ganha dinheiro vendendo filés numa feira de alimentos orgânicos. "Depois que você experimenta, não quer parar de comer", garante ela, co-proprietária de uma distribuidora de produtos naturais na ilha. A carne do peixe-leão é, de fato, excelente para a culinária, com sabor suave, sem espinhos e de textura firme. Tanto que se tornou um hábito entre mergulhadores organizar churrascos de peixe-leão após uma caçada. Os peixes menores são deixados mortos no recife. Os maiores vão parar na grelha, na panela ou no congelador.

"Também é ótimo para fazer ceviche", diz o chef-mergulhador Carl Perpich, dono do restaurante Paradise Moon, em Bonaire, no sul do Caribe, que caça e servepeixes-leões regularmente há alguns meses. "Assim que eu escrevo peixe-leão no cardápio do dia, some tudo", diz ele. "A procura é muito grande." Não só pelo sabor da carne, diz ele, mas pelo "apelo ecológico" do prato. Quase todos os clientes do restaurante são também mergulhadores, que sabem o perigo que o peixe-leão representa para os recifes. Não faltam motivos para devorá-lo, seja qual for a receita.

No início de abril, Perpich recebeu um lote de 70 peixes-leões arpoados num "rally" organizado por uma operadora de mergulho local (em que 11 caçadores mataram 122 peixes numa única tarde). Levou duas horas e meia para limpar o lote todo, que rendeu 3 quilos de filés. "Vendi tudo em uma hora", diz Perpich.

Explorar essa característica saborosa comercialmente em grande escala, porém, tem sido algo desafiador. Assim como na barraca de Tina e no restaurante de Perpich, já é possível encontrar o peixe-leão nas peixarias de supermercados e nos menus de outros restaurantes caribenhos. Mas é um mercado ainda embrionário, de nicho, que precisaria crescer muito para causar baixas significativas nas populações depeixe-leão na natureza. A espécie exige cuidados especiais por causa de seus espinhos venenosos, que dificultam o transporte e a limpeza do pescado. E a quantidade de carne que se pode tirar de cada peixe é pouca. O que acaba desestimulando o comércio.

No Paradise Moon, Perpich limpa todos os peixes pessoalmente, com medo de que os funcionários se machuquem. Um risco que ele mesmo já sentiu na pele. No dia em que conversou com o Estado, ele tinha acabado de se picar na mão esquerda, que ainda estava bastante inchada, apesar das quatro horas que passou no hospital.

Outro problema é o medo dos consumidores em geral, principalmente dos moradores tradicionais das ilhas. Muitos acham que a carne do peixe-leão é venenosa, apesar de o veneno estar apenas nos espinhos. "Eu mesmo sou das Bahamas, mas tenho de admitir: o pessoal aqui é louco", diz o pescador Nehimiah Taylor, de 62 anos, da ilha de Eleuthera, a leste de Nassau. Um experiente caçador de conchas e lagostas, ele vê peixes-leões todos os dias quando mergulha para trabalhar. Mesmo com o arpão na mão, porém, raramente os mata. "Se pudesse ganhar dinheiro com eles, eu mataria." Caso contrário, diz ele, não vale o esforço.

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"Os pescadores também têm medo. Querem se livrar do peixe-leão, mas não querem ter de lidar com ele", afirma Perpich. Os peixes-leões que serve em seu restaurante são caçados por ele mesmo, ou doados por outros mergulhadores que os caçam por prazer.

Tina compra seus peixes de alguns pescadores de Nassau que - após um certo esforço de convencimento - resolveram tirar proveito desse nicho de mercado. Paga cerca de US$ 100 por um lote de 30 a 40 peixes, que ela mesma tem de limpar.

"Ouvi dizer que eles são saborosos, mas para quê correr o risco de levar uma picada? Não preciso disso. É problema demais", diz o americano Sonny Walker, um praticante de pesca esportiva da Flórida, que tem uma casa de veraneio nas Bahamas. O Estado encontrou com ele por acaso, numa marina de Eleuthera, quando limpava alguns dourados que acabara de pescar. À frente dele, um cardume de mais de 20 tubarões-lixa se amontoava junto ao pier para se alimentar das carcaças.

Quando pesca ou mergulha próximo aos recifes, Walker diz perceber claramente uma diferença nas áreas onde há (ou houve) abundância de peixes-leões. "Sem dúvida, dá para perceber uma redução grande na abundância dos outros peixes", diz. "Esse ano a situação está um pouco melhor, porque todo mundo está caçando o peixe-leão." Ele mesmo, porém, não tem planos de ir atrás do invasor. "Odeio matar alguma coisa que não vou comer", justifica.

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