América do Sul como novo epicentro da pandemia não surpreende médicos brasileiros

Brasil responde por mais da metade dos infectados e dois em cada três mortos na região

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Por João Prata e Érika Motoda
Atualização:

Após a América do Sul ser apontada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como novo epicentro da covid-19 e o Brasil responder por 57,2% dos 578.329 infectados na região e por 71,8% dos 28.318 mortos, a informação não surpreendeu médicos brasileiros ouvidos pelo Estadão.

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Para Nacime Salomão Mansur, superintendente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), entidade responsável pela administração de parte dos leitos do Hospital de Campanha do Anhembi, na capital paulista, o número de casos e de mortes assusta, mas era esperado. “O que estamos vivendo agora acontece pelas grandes densidades populacionais, por grande parte da população se manter sem o isolamento social e pela nossa péssima distribuição de renda”, comentou.

Segundo ele, a crise demorou a avançar até por algumas decisões governamentais. “Falando especificamente sobre São Paulo (epicentro brasileiro da doença), o Estado de certa maneira cumpriu com o papel na tentativa de achatar a curva a tempo de aumentar o número de leitos hospitalares”, acrescentou. O total de pessoas mortas por covid-19 em São Paulo cresceu 3,8% em 24 horas, chegando a um total de 5.773 óbitos.

Mario Rubens Vianna, presidente do Sindicato dos Médicos do Estado do Amazonas, diz que não aguenta mais pedir ajuda para o governo federal para minimizar a crise. “Já disse inúmeras vezes que o Brasil deveria ter alguma preocupação especial com o Amazonas pela extensão territorial e pelo acesso difícil a muitas cidades.”

O principal problema no momento, segundo ele, está na dificuldade em atender à população das cidades do interior. “Em muitos municípios afastados não há saúde pública de nível mínimo, falta qualificação dos profissionais, é uma tragédia. A consequência disso é a superlotação dos hospitais da capital. A população dessas cidades menores migra em busca de atendimento.”

O hospital de Campanha do Anhembi foi montado para receber pacientes diagnosticados com covid-19 em São Paulo Foto: Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, destacou a necessidade de “unidade nacional e solidariedade global”, na luta contra a pandemia de coronavírus. Ghebreyesus destacou o fato de que os sistemas de saúde sobrecarregados provocam um aumento “dramático” nas mortes evitáveis.

Para especialistas, o cenário de contenção da epidemia envolve manter ou ampliar restrições. Mansur prefere aguardar os números da próxima semana, antes de dizer se o lockdown (bloqueio total) seria o próximo passo a ser dado para tentar tirar o País do epicentro da pandemia. “Os feriados prolongados (em São Paulo) foram interessantes, vieram a calhar. Foi uma forma inteligente de melhorar o isolamento social. Se na próxima semana for mantido a crescente no número de casos, vai ser necessário (o lockdown). Mas o mais importante agora é começar a fazer testagem em larga escala.”

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A presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), Irene Abramovich, também menciona a testagem como uma forma de ter a dimensão da pandemia no País e conseguir salvar vidas. “Não vou dizer que (a pandemia) pegou a gente de surpresa, mas chegou muito rápido.”

Nas duas últimas semanas, em números absolutos, o Brasil saltou da sétima para a segunda posição entre as nações com mais casos de covid-19. Com isso, se mantém como um dos países em situação mais crítica do mundo em número de infecções, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, com mais de 1,5 milhão, segundo a plataforma Universidade Johns Hopkins, na sexta, 22.

O diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sergio Cimerman, lembra que a Argentina foi um vizinho mais bem-sucedido na contenção do coronavírus, principalmente porque o isolamento social foi mais rigoroso e houve a adesão da população

A Argentina tem visto seus números crescerem ultimamente, mas ainda em menor escala se comparado com o Brasil. Foram registrados 648 novos casos de coronavírus na quinta, 21, mais que o dobro do número detectado há duas semanas. Os infectologistas atribuem o aumento de casos à chegada do coronavírus nas comunidades carentes da capital argentina, onde vivem quase 350 mil pessoas, sem água corrente e em muitas casas de piso de terra, onde é impossível cumprir o confinamento estabelecido há 63 dias.

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