Análise: Ações levaram País a perder protagonismo no combate à aids

'Foram censuradas campanhas e descartadas ações sobre os determinantes sociais da epidemia, como o preconceito e a homofobia'

PUBLICIDADE

Por Mário Scheffer
Atualização:
Hoje, 36,7 milhões de pessoas estão infectadas pela aids no mundo Foto: Reuters

Os retrocessos no combate à aids no Brasil são muito mais alarmantes do que revela o relatório anual do Unaids. Nos últimos anos, o ufanismo do governo federal consistiu na divulgação seletiva de dados que pudessem corroborar a tese da aparente estabilidade da epidemia. No entanto, a reemergência da aids já estava evidente nas novas infecções, no aumento de óbitos no Norte e no Sul, na queda drástica do uso de preservativos pelos jovens e na baixíssima realização de testes de HIV entre populações mais vulneráveis.

PUBLICIDADE

Sem diagnóstico, muitos seguem sem saber que têm o vírus, continuam infectando os parceiros ou morrem sem acesso ao tratamento. Aumentou o tempo entre o teste positivo e a primeira consulta, e piorou a assistência, com serviços lotados e falta de médicos.

Mas foi mesmo na prevenção, como ressalta o Unaids, que o Brasil baixou a guarda. Ultimamente, impôs-se um modelo com base apenas em testes, remédio e camisinha. Foram censuradas campanhas e descartadas ações sobre os determinantes sociais da epidemia, como o preconceito e a homofobia. As organizações da sociedade civil deixaram de ter voz ativa na definição dessa política.

Arrogância técnica, intolerância ao diálogo, aliança com forças retrógradas e o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) levaram à perda do protagonismo internacional e ao isolamento interno na resposta brasileira à aids. O resultado: milhares de infecções e mortes que poderiam ter sido evitadas.

MÁRIO SCHEFFER É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FMUSP)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.