Anvisa estuda ingressar com ação contra lei que libera 'pílula do câncer'

Fosfoetanolamina terá produção, manufatura e distribuição permitidas mesmo sem pesquisas que comprovem eficácia

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Por Ligia Formenti
Atualização:
Fosfoetanolamina sintética não tem autorização da Anvisa para ser usada como medicamento Foto: MÁRCIO FERNANDES|ESTADÃO

BRASÍLIA - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda ingressar com uma ação na Justiça para anular os efeitos da lei sancionada nesta quinta-feira, 14, pela presidente Dilma Rousseff que libera o uso da fosfoetanolamina sintética - a chamada “pílula do câncer” - mesmo sem pesquisas que comprovem a segurança e eficácia do composto.

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Em um comunicado duro, a Anvisa alertou que a liberação do produto coloca em risco a saúde da população e abre perigoso precedente. Ao Estado, o presidente da agência, Jarbas Barbosa, afirmou nesta semana que a aprovação faria o País regredir para um período anterior à década de 1970, quando ainda não havia regras de fiscalização na área de saúde. Aprovada às pressas no Congresso, a lei autoriza o uso da substância por pessoas com diagnóstico de câncer, desde que apresentem laudo médico que comprove o diagnóstico e um termo de consentimento do paciente ou de seu representante legal.

Para as famílias dos doentes, porém, a liberação foi motivo de comemoração. “A gente torcia muito para que isso acontecesse. Foi uma vitória dos pacientes, que lutaram para ter o direito de usar uma substância que fez bem para tanta gente”, disse a advogada Marisa Benelli, de 48 anos, filha do aposentado Marionaldo Benelli, de 69, que toma a fosfoetanolamina desde 2013, meses depois de ser diagnosticado com câncer na próstata e nos ossos. “Ele fez o tratamento tradicional enquanto tomava a ‘fosfo’ e a doença diminuiu. Os médicos tinham dado seis meses de vida para ele”, conta.

A controladora de quadro Eloá Karolins, de 22 anos, também comemorou a decisão. Sua mãe foi diagnosticada com a doença há três anos. “Teve câncer no rim, iniciou o tratamento com radioterapia e a doença veio mais forte, atingindo outros órgãos. Está fazendo quimioterapia, mas o tratamento é agressivo.” Pelas redes sociais, Eloá fez contato com grupos que usam a fosfoetanolamina, mas descobriu que a fabricação estava proibida. “Agora, espero conseguir.”

Polêmica. A lei sancionada terá validade até que testes sobre a segurança e eficácia do composto sejam concluídos. A fosfoetanolamina sintética começou a ser usada por pacientes com câncer há 20 anos, depois que um laboratório do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo, passou a produzi-la. Tal prática se estendeu até 2014, quando a USP proibiu que produtos experimentais fossem entregues à população. Pacientes reagiram e o assunto foi parar na Justiça.

Diante da polêmica, Ministério da Saúde e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação decidiram custear estudos para avaliar a segurança e eficácia do composto. Resultados preliminares indicaram baixo potencial das cápsulas contra os tumores. Enquanto isso, um grupo de deputados apresentou um projeto de lei para apressar o processo. Esta é a primeira vez que um produto indicado para tratamento de uma doença é aprovado sem estudos de eficácia e segurança.

“A sanção da presidente é uma resposta à comoção da sociedade. Não acho que tenha sido precoce, não foi precipitado”, afirmou a ministra interina da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Emília Curi. Nos bastidores, o MCTI, ao lado do Ministério da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, além de Anvisa e Advocacia-Geral da União opinaram pelo veto total à proposta. A presidente, no entanto, desconheceu tais pareceres.

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A lei permite tanto a produção quanto a manufatura, distribuição e dispensação do produto. Para o Ministério da Saúde, tais atividades ainda precisarão de regulação posterior - que não se sabe como será feita. A pasta sugere que o médico use talonário numerado - recurso que pode permitir o rastreamento do paciente. O ministério também indica que estabelecimentos fornecedores do composto façam um balanço da movimentação da substância. 

SUS. Segundo o governo, por enquanto o produto não terá custos cobertos pelo Sistema Único de Saúde. /COLABORARAM FABIANA CAMBRICOLI e JOSÉ MARIA TOMAZELA

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