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Anvisa interdita linha clandestina de produção de próteses

Investigações indicam que peças, usadas em cirurgias para reconstrução da face e crânio, estariam sendo produzidas dentro de projeto de protótipos do Senai, sob encomenda de empresas

Por Ligia Formenti
Atualização:

BRASÍLIA - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) interditou na manhã desta terça-feira, 4, uma linha clandestina de produção de próteses no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), de Joinville. Investigações indicam que as peças, usadas em cirurgias para reconstrução da face e crânio, estariam sendo produzidas dentro de um projeto de protótipos do Senai, sob encomenda de duas empresas para serem usadas em pacientes. O local de produção é o mesmo onde são fabricadas peças industriais e mecânicas.

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As peças seriam encaminhadas para duas empresas, que ainda estão em processo de investigação. A Anvisa estima que pelo menos 100 protótipos produzidos no Senai de Joinville teriam sido usados irregularmente em pacientes. 

“Os números exatos vamos saber apenas quando aprofundarmos as investigações. Mas, a julgar pela data em que o projeto teve início, os indicadores são bem altos”, afirmou o especialista em regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa em entrevista ao Estado, João Roberto Ferreira de Castro. Antes de serem usadas, os registros seriam adulterados, de forma a dificultar a investigação pela Anvisa.

O projeto do Senai começou há três anos. A ideia era desenvolver a partir da tecnologia 3D peças que poderiam ser usadas na reconstrução da face e crânio de pacientes acidentados ou com câncer. As peças de teste, no entanto, em vez de ser apenas modelo por empresas interessadas em ingressar na atividade teriam passado a ser comercializadas e usadas diretamente em pacientes. O local de produção dos protótipos de próteses faciais é o mesmo em que são fabricadas peças industriais e mecânicas.

Os valores da operação ainda não foram divulgados. O Estado apurou que uma prótese poderia custar entre R$ 60 mil e R$ 120 mil. Funcionários envolvidos no esquema de aproveitamento dos protótipos receberiam cerca de 50% desse valor.

Ferreira de Castro afirmou que pelo menos duas empresas são suspeitas de envolvimento no esquema. “Todos os produtos de saúde devem ser fabricados de acordo com recomendações específicas, atender as exigências sanitárias. Os riscos de uso de peças produzidas sem especificações são enormes”, disse o especialista. Entre os riscos estão infecção e rejeição. O fato de não haver registros de problemas provocados por cirurgias que usaram implantes clandestinos, afirma Ferreira, não é de se estranhar. “Muitas vezes os problemas não chegam até as autoridades sanitárias. Ficam restritos entre pacientes e seus médicos e dentistas”, completou.

As investigações da Anvisa sobre o uso clandestino de protótipos do Senai começaram há sete meses, quando notícias começaram a circular sobre técnicas empregando próteses de reconstrução maxilar e facial. “Vimos que não havia registro. Iniciamos aí uma atividade de inteligência que chegou ao Senai.”

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A fiscais da Anvisa, o engenheiro do Senai Edson Santos, que estava à frente do projeto, teria admitido o encaminhamento das peças para empresas que, por sua vez, encarregavam-se de comercializá-las para o uso nos pacientes. Ele teria reconhecido que empresas usaram as próteses nos pacientes e que ele teria até mesmo visto fotos sobre o uso das peças-modelo. O Estado tentou, sem sucesso, falar com o engenheiro.

A linha de produção do Senai deverá ficar interditada inicialmente por 30 dias. Neste prazo, um trabalho deverá ser feito para rastrear o paradeiro de todas as próteses produzidas durante o projeto. É esperado ainda o desenvolvimento de uma metodologia que permita controlar o destino de novos protótipos, para evitar que eles sejam novamente usados de forma irregular em procedimentos médicos.

Caberá ao Senai agora comprovar o destino das próteses já fabricadas. Fiscais da Anvisa procuram identificar o envolvimento de funcionários no esquema.

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Procurado pelo Estado, o Senai divulgou uma nota em que afirma possuir linhas de pesquisa para tecnologias inovadoras, voltadas a materiais e processos de fabricação para diversos setores, entre os quais o de saúde. “Isso inclui o desenvolvimento de peças de titânio por deposição a laser, atendendo especificações técnicas de empresas clientes de seu Instituto de Inovação em Joinville, cabendo a essas empresas buscar as autorizações necessárias para o uso desses materiais.”

Entre as empresas suspeitas de usar as próteses estaria a Bioconect, que funciona no Estado de São Paulo. O representante de tecnologia da empresa, Théo Peres, negou, em entrevista por telefone, qualquer envolvimento. Ele admitiu que uma missão foi enviada ao Senai de Joinville para conhecer os protótipos. Ele afirmou, no entanto, que a empresa descartou trabalhar nesta área nesse momento. “Por enquanto, atuamos apenas com implantes. Não compramos nem comercializamos essas próteses.”

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