Apesar da queda de mortes, 13 Estados registram alta de infecções pela covid

Com flexibilização do isolamento social e vacinação lenta<MC1>, média elevada de novos casos preocupa especialistas; curva de diagnósticos tem ajudado a prever tendências da ocupação hospitalar. Em algumas regiões, como Pernambuco, taxa já é a maior da crise sanitária

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Por Marco Antônio Carvalho
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Treze Estados registram alta na quantidade de novos casos de covid-19 confirmados em comparação com duas semanas atrás. A situação influencia a taxa nacional, que também subiu no período, e se mantém em cerca de 60 mil novos diagnósticos por dia. Especialistas alertam que, embora o País assista à queda de mortes, o cenário com tantos infectados sinaliza para a continuidade do patamar grave nos próximos meses. Por isso, a crescente flexibilização do isolamento social e a vacinação lenta preocupam. 

Passageiros aglomerados no Metrô da Sé: a queda no ritmo das mortes convive com um patamar ainda alto do número de novos casos Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Dados do consórcio de veículos de imprensa mostram que, ao contrário da tendência notada em relação aos óbitos pelo novo coronavírus, os casos têm crescido na última semana. A nova alta sucede o pico registrado no fim de março e início de abril, meses que bateram recorde de letalidade na pandemia e várias redes de saúde entraram em colapso. O patamar de testes positivos pode indicar que o Brasil se manterá em um platô elevado ou até mesmo reverterá a tendência de redução de vítimas, apontam especialistas. 

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O Paraná, por exemplo, mal se recuperou do pico de março e registrou alta de 61% na média de novos casos diários, na comparação do dado da segunda-feira passada com 14 dias atrás. Os testes positivos passaram de 3 mil por dia para 4,8 mil em duas semanas. Uma alta intensa, de 83%, também é notada no Rio. Lá, as secretarias estadual e municipal de saúde atribuem a variação à notificações represadas de semanas anteriores.

Em Pernambuco, o patamar de novos casos é o maior da pandemia. O Estado tem média de 2,2 mil testes positivos, segundo dados da segunda-feira passada - alta de 19% em relação a 14 dias atrás, formando uma curva que não para de crescer. 

“Nas últimas semanas, temos notado tendência de interrupção de queda nos novos casos de síndrome respiratória aguda grave e podemos traçar um paralelo com as flexibilizações das restrições e a retomada das interações sociais”, analisa o pesquisador da Fiocruz e coordenador do Sistema Infogripe, Marcelo Gomes. “Baixar a guarda desse jeito tem como efeito o aumento da exposição e é questão de tempo até mais locais notarem sinais da retomada de crescimento dos casos.” 

Após o pico de abril passado, em vários Estados, já houve ampla retomada de atividades econômicas, como comércio, restaurantes, bares e até boates. Crítico do isolamento social, o presidente Jair Bolsonaro tem ameaçado editar decreto para barrar novas ações de quarentena. Já a vacinação sofre com dificuldades no recebimento de insumos para fabricar mais doses e adiamento de entregas.  Em países com vacinação mais avançada, como o Chile, a alta no contágio não necessariamente causou mais mortes. Mas o país vizinho já imunizou 47% da população, e o Brasil, 8,8% com as duas doses.

Além do Rio, Paraná e Pernambuco, houve alta em Roraima, Amapá, Maranhão, Alagoas, Tocantins, Piauí, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Sergipe e Pará. Já Minas, Rio Grande do Norte, Bahia, Rio Grande do Sul, Paraíba e Rondônia tiveram variação positiva ou negativa inferior a 5%, e são considerados estáveis. Houve queda em Espírito Santo, Ceará, Distrito Federal, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Amazonas e Acre.

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“Estamos relativizando a situação por tomar como base o momento mais dramático. Mas assim perdemos a sensibilidade de que ainda estamos em situação difícil, seja de casos, internações ou óbitos. O passado recente foi completamente extremo, mas o presente está longe de ser tranquilo”, acrescenta Gomes. 

Os casos ajudam a prever a tendência. O novo caso de hoje pode ser o novo paciente grave de amanhã, com demanda de UTI, e eventual óbito. Quanto mais testes positivos, mais chance de a curva de mortes subir. “Há um tempo até a evolução do caso, da ordem de três semanas. Para saber o que acontece agora, o óbito não é o melhor indicador, pois está sempre atrasado quanto à atual situação da pandemia”, diz Gomes. 

A prefeitura de Curitiba decidiu ontem ampliar as medidas restritivas na cidade. A gestão municipal disse que a decisão leva em conta “o aumento do número de novos casos, casos ativos, taxa de transmissão e ocupação de leitos”. O toque de recolher foi ampliado e o horário de funcionamento dos serviços não essenciais, reduzido.

Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde fluminense disse ter havido grande volume de notificações de casos represados na cidade do Rio. “Não significa dizer que os casos ocorreram na semana passada, mas que foram inseridos no sistema nestas datas, gerando o aumento observado.” A Secretaria municipal confirmou a situação, atribuindo a alta ao trabalho para incluir resultados laboratoriais no sistema. As pastas não detalharam a proporção de registros represados. 

3 perguntas para Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19

Como avalia o momento atual da pandemia pelo qual passa o Brasil?

Tivemos um aumento forte em fevereiro e março e a grande maioria dos Estados adotou medidas e reduziu a mobilidade, e com isso conseguiu ao menos desacelerar. Sempre faço a analogia de um foguete subindo e fomos lá e desaceleramos, mas ele ficou lá em cima na estratosfera e não cai sozinho. Temos de continuar fazendo com que as pessoas fiquem longe uma das outras para não transmitir o vírus. 

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Logo que começamos a reduzir os casos, já aumentamos a mobilidade de novo na grande maioria dos Estados. Quando isso foi acontecendo, essa queda de casos já começou a desacelerar. A velocidade da queda foi cada dia um pouco mais lenta até se transformar em estabilização. Em alguns Estados, no Nordeste, a estabilização já indica aumento de casos. No Sudeste, em São Paulo, há uma estabilização em um patamar elevado. 

Sabemos que alta de casos pode indicar uma futura alta de óbitos. Qual o papel da vacinação nessa conta?

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O único fator novo é que temos uma pequena parte da população brasileira imunizada em relação aos outros aumentos que vimos no passado. É muito pouco ainda na população em geral. Se os idosos imunizados vivessem numa cidade-bolha onde só eles morassem, seria um local muito bem protegido porque 100% dos habitantes estariam imunizados e a cobertura vacinal daria a imunidade coletiva. Como esses idosos estão pulverizados, ainda há a possibilidade de continuidade da transmissão, podendo gerar surtos em diferentes faixas etárias ainda não imunizadas com capacidade de sobrecarregar hospitais. Aumentar a mobilidade neste momento é continuar desafiando o vírus.

Diante da alta de casos, como vê a perspectiva para o Brasil nos próximos meses?

Temos o risco de enfrentar um novo platô, com a manutenção de 2 mil óbitos por dia, pois a transmissão segue alta, com muitas hospitalizações. A isso se soma a dificuldade de acesso a vacinas e a chegada do inverno, período que facilita a transmissão de vírus respiratórios. Ainda que a covid-19 não tenha demonstrado muito uma variação pela estação, é uma época de frio e de locais fechados. Na pior das hipóteses, veremos novo aumento na curva de mortes.

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