Após meses de entrega em massa, Pazuello diz que nunca incentivou uso da cloroquina

'Nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos', afirma o ministro da Saúde

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Por Mateus Vargas e Emilly Behnke
Atualização:

BRASÍLIA – Após meses de defesa e entrega em massa pelo governo federal de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19, como a cloroquina e a hidroxicloroquina, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que nunca estimulou o uso destes tratamentos. “Nunca indiquei medicamentos a ninguém. Nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos”, afirmou Pazuello, demonstrando irritação, em entrevista à imprensa nesta segunda-feira, 18.

Cobrado pelo presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde recomenda desde maio de 2020 o tratamento com os medicamento já no primeiro dia de sintomas da covid-19. O documento não é um "protocolo" da pasta, como disse Pazuello, mas serve como orientação a profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS). A prescrição destes fármacos contra a covid-19 é rejeitada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Na entrevista de hoje, Pazuello disse defender apenas o "atendimento precoce". "A senhora nunca me viu receitar ou dizer, colocar para pessoas tomarem este ou aquele remédio. Não aceito a sua posição", afirmou o general a uma jornalista que o questionou sobre o tema. 

Mesmo sem um protocolo formal, o Ministério da Saúde e o presidente Jair Bolsonaro tem pressionado autoridades locais pelo uso dos fármacos de eficácia contestada.

Em visita a Manaus, na última semana, pouco antes de acabar o oxigênio para pacientes para covid-19, Pazuello e sua equipe cobraram o uso do "tratamento precoce". O general e Bolsonaro apontam a falta deste "tratamento" como uma razão para o colapso da saúde no município.

Como mostrou o Estadão, Pazuello lançou na capital do Amazonas, o TrateCOV, aplicativo usado por médicos para realizar o diagnóstico da covid-19. A plataforma, porém, indica o uso da cloroquina e outros medicamentos sem eficácia.Na mesma cidade, uma equipe de Pazuello, reforçada por médicos que viajaram a Manaus, percorreu unidades de saúde distribuindo folders que indicavam o uso destes medicamentos. Em ofício enviado à Secretaria de Saúde de Manaus, o ministério chegou afirmar que é “inadmissível” não prescrever o tratamento precoce contra a covid-19.

A postura de Pazuello e de sua equipe em Manaus levou a Procuradoria da República no Amazonas a determinar a abertura de inquérito civil para apurar se houve falha no apoio ao Estado e opção por indicação de “tratamento precoce com eficácia questionada”.

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Apesar de afirmar que não indica medicamentos contra a covid-19, Pazuello chegou a dizer que ficou "zero bala" ao tomar o "kit completo" contra a covid-19, que inclui a hidroxicloroquina. A declaração foi feita em 22 de outubro de 2020, ao lado do presidente, durante uma transmissão nas redes sociais. Bolsonaro, então, disse: "Se algum médico não quiser receitar a hidroxicloroquina, o que faz?" E Pazuello respondeu: "O médico chama outro médico, se o paciente quiser tomar, assina lá o compromisso, receita". Dias mais tarde, o quadro de saúde de Pazuello se agravou e o general precisou ser internado para se curar da covid-19. 

Por ordem de Bolsonaro, o Laboratório do Exército fez mais de 3,2 milhões de comprimidos da cloroquina durante a pandemia. Em novembro, estavam encalhadas mais de 400 mil doses. O País também recebeu cerca de 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da farmacêutica Sandoz, mas até a semana passada não conseguiu distribuir nem 500 mil unidades. Além da baixa procura, o fármaco foi enviado em caixas com 100 ou 500 comprimidos e precisa ser fracionado - com custo repassado a Estados e municípios.