Araraquara tem ruas desertas e blitze da prefeitura no primeiro dia de lockdown

Medida válida por 15 dias pretende conter propagação da doença na cidade que detectou casos da nova variante. Sistema de saúde local beira o limite e prefeito teme colapso

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Por Everton Sylvestre
Atualização:

ARARAQUARA - O lockdown de 15 dias passou a vigorar nesta segunda-feira, 15, em Araraquara, depois que a variante do novo coronavírus de Manaus foi confirmada na cidade. Blitze foram realizadas pela prefeitura e uma perua Kombi com alto falante circulou orientando e pedindo a colaboração da população. Com a medida, mais rigorosa do que a fase vermelha estabelecida pelo governo do Estado, a prefeitura pretende conter a contaminação e evitar que o sistema de saúde da cidade, que beira o limite, entre em colapso.

Araraquara, cidade no interior de São Paulo Foto: Célio Messias/Estadão

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O decreto municipal determina que apenas serviços essenciais podem funcionar e limita os horários: supermercados até as 20 horas, postos de combustíveis até as 19 horas. Em qualquer horário, as pessoas devem justificar porque estão fora de casa. No primeiro dia, houve pouco movimento nas ruas da cidade de 238 mil habitantes, na região central do Estado.

No centro, apenas alguns estabelecimentos considerados essenciais atendem entre a sequência de lojas com as portas abaixadas. Poucos carros e pessoas circularam. Até as 13 horas, 217 pessoas foram abordadas pela fiscalização da prefeitura em diferentes pontos da cidade.

O decreto municipal determina que apenas serviços essenciais podem funcionar e limita os horários Foto: CELIO MESSIAS/ ESTADAO

Segundo a prefeitura, o Instituto de Medicina Tropical, vinculado à Universidade de São Paulo (USP), confirmou nesta segunda-feira, 15, que pacientes internados com covid-19 em Araraquara testaram positivo para a cepa variante do Amazonas. Após reavaliação, não foi confirmada a variante do Reino Unido na cidade.

O prefeito Edinho Silva (PT) afirma que o comitê local relacionado à covid-19 submeteu amostras para sequenciamento de cepas após verificar mudanças no perfil da doença na cidade. “É um ritmo de contaminação muito forte. É um vírus mais agressivo e agrava o quadro em jovens”, detalha.

No centro, apenas alguns estabelecimentos considerados essenciais atendem entre a sequência de lojas com as portas baixadas Foto: CELIO MESSIAS/ ESTADAO

Segundo o prefeito, o endurecimento das medidas foi discutido com representantes da Secretaria de Saúde do Estado e gestores dos hospitais particulares da cidade, que - assim como os hospitais públicos - estão com a ocupação muito elevada. A prefeitura também busca dobrar sua capacidade de produção de oxigênio e abrir mais leitos, mas esbarra na dificuldade de encontrar novos médicos.

“Se não fizermos isso, nas próximas duas semanas nosso sistema entre em colapso”, afirma Edinho, que teme que o mesmo ocorra em diferentes partes do Estado. Ele diz que o intuito é, com o distanciamento, fazer a curva de contaminação cair e, por ora, não cogita prorrogar o lockdown.

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"Se não fizermos isso, nas próximas duas semanas nosso sistema entre em colapso”, afirma o prefeito Edson Silva (PT) Foto: CELIO MESSIAS/ ESTADAO

“Também vamos enviar (para análise) as amostras mais antigas que a gente conseguir resgatar”, diz a secretária de Saúde de Araraquara, Eliana Honain, sobre o intenção de se descobrir desde quando essas cepas estão circulando pela cidade. O município, que já fazia testagem em massa no segundo semestre de 2020 e estava com baixa taxa de mortalidade, continua realizando testes durante o lockdown.

Na UPA da Vila Xavier, unidade pública onde os pacientes com sintomas devem buscar atendimento, o movimento foi grande nessa segunda-feira. Na rede pública, a Santa Casa, o Hospital de Campanha e agora o Pronto-Socorro do Melhado têm pacientes com covid-19 internados.

Segundo o prefeito, a cidade chegou a receber pacientes da região de Bauru, mas agora só consegue atender a população local. Além disso, pacientes de Araraquara já foram transferidos para as regiões Barretos, São José do Rio Preto, Osasco e São Paulo.

Com o lockdown vigorando, a rodoviária amanheceu quase vazia. “A pessoa só se conscientiza quando acontece na família dela ou próximo”, afirma o segurança Marco Antonio Bernardo, de 53 anos, que visitava a família em Américo Brasiliense, cidade vizinha, e foi até a rodoviária pegar uma carona para voltar para sua casa na capital.

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Ele concorda com a multa de até R$ 6 mil que a prefeitura de Araraquara pode aplicar em estabelecimentos que descumprirem as regras e considera que o poder público deveria ter adotado a medida antes, em vez de dar apenas advertências. Para pessoas físicas, a multa prevista na cidade é de até R$ 120.

“O povo não está tendo respeito. Tem de restringir mesmo, ainda mais no carnaval”, afirma o empresário José Walter Verzola, que viajou de São Carlos para Araraquara em um ônibus quase vazio.

“Tem de se manter em casa, só sair quem precisa”, comenta o taxista Edvaldo Ferreira da Silva, de 62 anos. Ele relata que na sua vizinhança houve festas no final de semana. “É necessário tomar ainda mais cuidado nessas duas semanas porque a coisa está feia”, afirma o colega Eduardo Cabbau Sobrinho, de 81 anos, que espera ser vacinado na sexta-feira, 19. Os dois concordam com o endurecimento das medidas pela prefeitura. Silva conta que 4 dos 17 taxistas do ponto continuam trabalhando e confirma que os passageiros são raros.

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Rosana Teixeira, de 50 anos, desempregada, foi ao cartório para tirar cópia de um comprovante de endereço, que precisa postar para que o filho, que já teve covid-19 no presídio de Serra Azul, tenha sua primeira saída temporária em cinco anos. Ela não visita o filho desde o início da quarentena e conta que chegou a ir a porta do presídio depois que ele ficou doente e só saiu de lá após fazerem um vídeo mostrando que ele estava bem. Rosana enfatiza que usa duas máscaras para sair de casa. “Mas, mesmo com hospitais cheios, no meu bairro [São Rafael] tinha festa de carnaval nas ruas no final de semana”, afirma.

Apesar de ótica estar entre os estabelecimentos listados como essenciais, a gerente Roseli Marton, de 52 anos, relatou que ao longo do dia apareceram poucos clientes para reparar óculos danificados. “Acho que é a saúde em primeiro lugar; a questão econômica vem depois”, afirma.

Segundo ela, como óticas são consideradas estabelecimentos essenciais e da área de saúde, o sindicato pretende pedir que os funcionários sejam vacinados. Na loja, eles continuam cumprindo horário normal, pois uma está afastada com covid-19 e outra com suspeita. Roseli diz que nos últimos dias perdeu conhecidos na cidade, que tinham de 26 a 61 anos.

Alguns empresários protestaram no fim de semana, pois queriam dialogar em busca de medidas menos restritivas que o lockdown. O Sincomercio, sindicato do comércio, recomenda que as medidas adotadas pelo poder público sejam seguidas na íntegra.

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