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Prometida para o fim do ano, autossuficiência na produção de vacinas é desafio para o País

Mesmo com projetos em andamento, será preciso conseguir uma evolução tecnológica suficiente para adaptar-se às variantes

Por Roberta Jansen
Atualização:

RIO - O Brasil almeja alcançar a autossuficiência na produção de vacinas contra a covid-19 até o início de 2022. A meta é possível, mas depende de não haver atrasos na transferência de tecnologia para o Instituto Butantan, em São Paulo, e para a Fiocruz, no Rio. Paralelamente, duas vacinas de produção inteiramente nacional estão em fase pré-teste. Para especialistas, demandas estruturais e manter o desenvolvimento tecnológico necessário à adaptação das vacinas a novas variantes do vírus são desafios . 

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Na terça-feira, em cadeia nacional de rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro prometeu que até o fim de 2021 o País será autossuficiente na produção da Coronavac e do imunizante de Oxford. Ambas já são feitas no Brasil. Mas sua base é Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) importado.

Ter a capacidade prometida por Bolsonaro significa que o Brasil já terá concluído os processos de transferência de tecnologia. Será ainda capaz de produzir todos os ingredientes em território nacional. Também terá capacidade de fabricar imunizantes suficientes para toda a população brasileira.

A Fiocruz ainda discute com a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca a assinatura do contrato de transferência de tecnologia, inicialmente prevista para o ano passado. Garante, porém, que a informação já é compartilhada. A instituição conclui as obras de novas instalações industriais para produzir os IFAs. O Butantan já assinou o contrato com a chinesa Sinovac. Mas também depende da conclusão de um laboratório de nível de segurança 3. É necessário à produção de IFA.

Instituto Butantan é um dos responsáveis pelo desenvolvimentoda Coronavac Foto: Amanda Perobelli/ Reuters

“É um processo muito complexo, mas estamos mantendo o cronograma”, garantiu o diretor da fábrica de Biomanguinhos, da Fiocruz, Mauricio Zuma. “Estamos num trabalho muito intenso, vamos concluir as adequações (da planta) até abril e vamos concluir também a transferência de tecnologia; no segundo semestre estaremos distribuindo a vacina.”

O gerente de Parcerias Estratégicas e Novos Negócios do Instituto Butantan, Tiago Rocca, também está otimista. “A expectativa é de concluirmos a obra até o fim de setembro para, a partir daí, começarmos a qualificar os equipamentos e operacionalizar a fábrica para já estarmos produzindo em 2022”, disse. “O tempo que estamos seguindo agora é o da obra; até o momento não tivemos nenhum atraso.”

Outros especialistas ouvidos pelo Estadão não se mostraram tão otimistas. “Obra é complicada”, declarou o médico sanitarista Gonzalo Vecina, um dos fundadores da Anvisa. “O cronograma é bem apertado, mas se ele estiver sendo rigorosamente cumprido deve funcionar. A transferência de tecnologia vai ocorrer, não tenho nenhum receio disso”, afirmou ele, colunista do Estadão

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O virologista Flávio Guimarães, pesquisador do Centro Tecnológico de Vacinas da UFMG, acha o cronograma pouco realista. “Não se trata de julgar a capacidade técnica dos profissionais do Butantan e da Fiocruz, são extremamente capacitados e competentes”, afirmou.

“O problema é que não basta ter capacidade técnica, é preciso um grande investimento estrutural. O Butantan tem de construir um laboratório de nível de segurança 3 (algo que não existe no Brasil)”, afirma. “E Biomanguinhos tem de adaptar um parque industrial para produzir uma vacina jamais feita no Brasil. Vamos ter essa estrutura? Isso me parece irreal diante do que temos hoje.”

A epidemiologista Carla Domingues, que já coordenou o Programa Nacional de Imunizações (PNI), também faz ressalvas. “Infelizmente, acho que são muito otimistas”, disse. “As experiências que temos com transferência de tecnologia são de muito mais tempo. Porque não é só deter o conhecimento. É preciso ter as fábricas prontas, todo o processo de produção do IFA funcionando, o envase, a rotulagem. Mas estou torcendo por eles.” 

Plano B

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Projetos paralelos estão sob avaliação. A Anvisa informou que “está avaliando todas as estratégias para ampliar as vacinas disponíveis, sem abandonar os pilares da qualidade, eficácia e segurança”. Por isso, tem uma reunião marcada para a próxima segunda-feira. Seus técnicos vão se reunir com representantes do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal.

A ideia é avaliar se é possível produzir vacinas contra a covid-19 em fábricas de imunizantes para gado. Técnicos do Instituto Butantan estiveram na semana passada em uma planta em Paulínia (SP). Faziam uma vistoria técnica. O Brasil é autossuficiente na produção de vacinas para animais. Tem mais de 20 fábricas instaladas.

“Eu acho isso (fazer vacinas para covid-19 em fábricas de imunizantes para gado) uma bobagem”, disparou Vecina. “As vacinas animais são feitas com muito menos cuidado do que as vacinas humanas; as boas práticas veterinárias são muito mais frágeis do que as voltadas para a saúde humana.”

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Coordenador de Prospecção da Fiocruz, Carlos Gadelha acha que a estratégia pode ser perigosa. “A vacina se tornou um grande objeto de desejo”, ponderou. “Não podemos correr riscos de segurança e eficácia, tenho receio de falas nesse sentido; estamos lidando com vidas humanas. Não acho que seja algo simples de se fazer.”

Vulnerabilidade

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Das sete vacinas fornecidas pelo Instituto Butantan para o PNI, só a da gripe é fabricada totalmente no Brasil. Das dez vacinas produzidas pela Fiocruz, apenas quatro não dependem de IFA importado. Quase 95% dos IFAs dos produtos farmacêuticos feitos no Brasil chegam ao País por meio de importação.

Nos anos 1980, o País já foi mais autossuficiente na produção de vacinas. O Brasil até contava com um parque farmoquímico para a produção de IFA. A partir de março de 1990, no entanto, a abertura comercial promovida pelo então presidente Fernando Collor permitiu a entrada maciça no País de produtos importados. 

Isso provocou a quebra de vários setores da indústria. Um deles foi o de imunizantes. Paralelamente, China e Índia começaram a se destacar como grandes produtores de insumos farmacêuticos. Atualmente, é mais barato comprar IFA desses países do que produzi-los no Brasil.

A criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 1999, tornou muito mais rígidas as exigências feitas à indústria farmacêutica. Exigiu a modernização das instalações industriais. A falta de investimentos governamentais em infraestrutura tornou a importação de IFAs a saída mais fácil para produzir imunizantes. 

Mas agora, na pandemia, a dependência dos produtos estrangeiros se revelou um grande problema. “Existe uma possibilidade concreta de até o fim do ano estarmos produzindo vacina e IFA”, disse Gadelha. “O problema é que surgirão variantes do vírus, então esse trabalho terá de ser permanente. Temos de ter capacidade de inovação para acompanharmos as novas variantes.”

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