Marcela de Jesus Ferreira completou ontem oito dias de vida. Desde o seu nascimento (2,5 quilos e 47 centímetros) está num dos quartos da Santa Casa de Patrocínio Paulista, cidade de cerca de 15 mil habitantes na região de Ribeirão Preto. Ao seu lado, a mãe, Cacilda, de 36 anos, reza pela sobrevida da pequena. Os oito dias de vida de Marcela já contrariam vários prognósticos da Medicina. Ela tem apenas uma pequena parte do encéfalo (cérebro), o que adia a sua provável morte. Desde o diagnóstico do quadro de anencefalia (ausência de cérebro), no quarto mês de gestação, Cacilda jamais cogitou a hipótese de interrupção da gravidez (os especialistas evitam a palavra aborto). ?Sofrer, a gente sofre, mas ela não pertence a mim, mas a Deus, e eu cuido dela aqui?, diz a mãe, católica. ?Enquanto isso, cada segundo da vida dela é precioso pra mim.? Cacilda e o marido, Dionisio Ferreira, de 46 anos, são agricultores. Cacilda virou ?hóspede? da Santa Casa e a direção do hospital até a colocou num quarto mais reservado, com pouca movimentação. Marcela, que só saiu do hospital para fazer tomografia em Franca - para confirmar o quadro clínico -, até respira sem a necessidade de aparelhos em certos momentos do dia e é amamentada por Cacilda. ?Considero a vida dela até agora um milagre muito grande e vou ficar aqui até Deus achar que é a hora de ela partir?, diz a mãe, já conformada com o que virá. Quando soube do quadro de anencefalia, Cacilda disse que recebeu a notícia com tranqüilidade. O ginecologista José Mauro Barcellos, que é o prefeito da cidade e fez os outros dois partos de Cacilda - Débora de 18 anos e Dirlene, 14 -, explicou a situação, após um ultra-som. Ele disse que o bebê poderia viver minutos ou horas. Num outro caso semelhante, há cerca de sete anos, um bebê sobreviveu três ou quatro dias, lembrou. Mas os parentes e amigos apoiaram a decisão de Cacilda de levar a gravidez adiante. Dionisio confessa que, às vezes, se desespera com a situação, mas entende o lado da mulher. ?Se fosse eu, tinha estourado, mas ela é mãe?, justifica o agricultor. ?Aborto nem passou pela minha cabeça?, afirma Cacilda. ?Ninguém tem o direito de tirar uma vida, principalmente de criança, que é o pior pecado, pois ela está sem defesa?, argumenta ela, sem prazo para voltar à modesta casa do Sítio Palmital (há quase um século em posse dos Ferreiras), de 3,5 alqueires, onde plantações de café, verduras e frutas são responsáveis pelo sustento da família. Apoio A pediatra Márcia Beani, que acompanha Marcela desde o nascimento, não arrisca qualquer prognóstico. ?Até agora ela surpreendeu, é um caso raro, e vamos mantê-la com dignidade, alimentação, aquecida e com oxigênio?, avisa Márcia. Porém, ela se preocupa com Cacilda, que cria vínculos com o bebê e vai precisar, depois, de apoio psicológico. ?Respeito a posição da mãe, mas é uma situação dramática. Apesar de não ter cérebro, o bebê ainda tem o tronco cerebral, responsável por controlar as funções mais básicas do corpo humano, como o batimento cardíaco e a respiração?, diz o ginecologista Thomaz Gollop, professor da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana de São Paulo. ?É possível manter por semanas, assim como mantemos de forma vegetativa alguém que sofre morte cerebral.? Colaborou Giovana Girardi