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‘Bolsonaro é maior ameaça ao combate à covid-19 no Brasil’, alerta revista 'Lancet'

Publicação médica diz que o presidente semeia confusão ao desrespeitar medidas de distanciamento contra o coronavírus e sugere que ele mude drasticamente o curso de seus atos ou deixe o governo

Por Giovana Girardi
Atualização:

Uma das mais prestigiosas publicações médicas do mundo, a Lancet afirma em seu editorial desta semana que a maior ameaça à resposta do Brasil aos desafios da covid-19 é o presidente Jair Bolsonaro

Com o título “Covid-19 in Brazil: ‘so what?’”, a revista repercute o já amplamente criticado “E daí? O que você quer que eu faça?” dito por Bolsonaro no último dia 28, quando questionado sobre o aumento do número de mortes pelo novo coronavírus no País. O texto estará disponível na edição do dia 9, mas acabou caindo nas redes mais cedo nesta quinta.

Presidente Jair Bolsonaro usa máscara durante entrevista coletiva, no salão Oeste do Planalto Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Esta é a segunda vez ao longo da pandemia que a revista critica a postura de Bolsonaro editorial. A cobrança anterior, porém, foi bem mais suave. Em 27 de março, em meio a uma análise de outros líderes mundiais, foi dito que o presidente enfrentava “uma reação pública crescente pelo que é visto como sua fraca resposta”. Agora a carga veio bem mais pesada. 

“Ele não apenas continua a semear confusão, desrespeitando abertamente as medidas sensatas de distanciamento e bloqueio físico trazidos pelos governadores estaduais e prefeitos, mas também perdeu dois ministros importantes e influentes nas últimas três semanas”, pontuou a revista, lembrando as quedas de Luiz Henrique Mandettada Saúde, e Sérgio Moro, da Justiça.

A publicação afirma que o “respeitado e bem quisto ministro da Saúde foi demitido após uma entrevista na televisão, na qual criticou fortemente as ações de Bolsonaro e pediu unidade, sob o risco de deixar os 210 milhões de brasileiros totalmente confusos”. 

Sobre Moro, a Lancet diz que o ex-juiz da Lava Jato é  “uma das figuras mais poderosas do governo de direita”. E criticou: “Essa desordem no coração do governo é uma distração mortal no meio de uma emergência de saúde pública e também é um forte sinal de que a liderança do Brasil perdeu sua bússola moral, se é que alguma vez a teve”.

A publicação pondera, no entanto, que mesmo se não houvesse esse “vácuo de ações políticas em nível federal”, o País teria dificuldade em combater a covid-19. 

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“Cerca de 13 milhões de brasileiros vivem em favelas, geralmente com mais de três pessoas por quarto e pouco acesso a água limpa. Recomendações de distanciamento físico e higiene são quase impossíveis de seguir nesses ambientes”, afirma a revista, lembrando que “muitas favelas se organizaram para implementar as medidas da melhor maneira possível”. 

O editorial menciona ainda o alto grau de informalidade de emprego no País e os riscos à população indígena que, de acordo com a publicação, já “estava sob séria ameaça mesmo antes do surto de covid-19 porque o governo ignorou ou até incentivou a mineração e extração ilegal de madeira na floresta amazônica”. 

Citando uma carta organizada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, a Lancet afirma que madeireiros e mineradores podem levar a doença a populações remotas e que um genocídio é iminente.

O editorial lembra um estudo da semana do Imperial College que indicou que a taxa de transmissão ativa da doença hoje no Brasil é a maior entre 48 países avaliados – com uma pessoa contaminando outras 2,81. “Grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro são os principais pontos quentes atualmente, mas há preocupações e sinais precoces de que as infecções estão se movendo para o interior para cidades menores, com provisões inadequadas de leitos e ventiladores para terapia intensiva”, afirma a publicação.

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A Lancet destaca ações das comunidades de saúde, da ciência e a sociedade civil em sua oposição a Bolsonaro e na busca por soluções, como o Pacto pela Vida e pelo Brasil lançado pelas organizações científicas nacionais, além das muitas pesquisas que estão sendo  feitas no País. Até mesmo os panelaços que ocorreram nas últimas semanas pedindo a saída do presidente foram lembrados – o editorial é ilustrado com uma foto de uma moça batendo panela. 

“Essas são ações esperançosas. No entanto, a liderança no mais alto nível do governo é crucial para evitar rapidamente o pior resultado dessa pandemia, como é evidente em outros países. O Brasil como país deve se unir para dar uma resposta clara ao "E daí?" do seu presidente. Ele precisa mudar drasticamente o curso ou deve ser o próximo a sair.”

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