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Brasileiros no exterior relatam clima de 'caos' e tentam retorno ao País

Seis mil brasileiros no exterior aguardam uma posição do governo federal para retornar ao País

Por João Prata
Atualização:

Ainda existem seis mil brasileiros no exterior que pediram ajuda às embaixadas e aguardam posição do governo federal para retornar ao País. O número é do Itamaraty, responsável por providenciar a volta dessas pessoas em meio ao fechamento de aeroportos e limitações de voos pelo mundo por conta do novo coronavírus.

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O Estado conversou com cinco brasileiros que enfrentam essa situação. "O clima é de pavor", conta a jornalista Bia Campilongo, que tenta deixar a Itália. O guia turístico Adriano Leal está em um hostel na Tailândia e divide um quarto pequeno com oito desconhecidos: "Vivo de doações. Aqui é impossível me proteger contra o coronavírus", relata.

As dificuldades enfrentadas aumentam a cada dia à medida que o sistema de saúde das cidades entra em colapso. A superlotação de hospitais, o aumento no número de mortos e a dificuldade da população local sair para fazer compras expõe ainda mais os estrangeiros.

Bia Campilongo, 26 anos, jornalista Foto: Arquivo Pessoal

Bia Campilongo, 26 anos, jornalista Está em: Lecce, na Itália. Tenta voltar para: São Paulo (SP).

Bia está em Lecce, no sul da Itália, e já teve quatro voos cancelados na tentativa de voltar ao Brasil. "São mais de 10 mil reais presos em passagens aéreas", revela. Hospedada em um apartamento, ela perdeu a conta do número de vezes que pediu ajuda para a embaixada brasileira. "A resposta deles é apenas de pedir para que a gente preencha infinitos formulários. Continuamos cobrando e nada."

A Itália é um dos epicentros do coronavírus e já teve mais de 17 mil mortes por causa da covid-19. Bia está em um grupo de whatsapp que conta com outros 47 brasileiros que tentam voltar do país europeu. "O clima aqui é de pavor. As poucas pessoas na rua só andam de máscara e luvas. Tem mercado em que é proibido entrar sem luvas e máscara. As filas são imensas porque tem de respeitar a distância mínima e tem um segurança controlando de quantas pessoas entram por vez dentro do mercado."

"Está tudo fechado. A polícia está em todo lugar, checando um por um para verificar a autorização para sair de casa. Pra mim é muito complicado porque não falo italiano e as pessoas logo se assustam quando sabem que sou estrangeira. Aqui os policiais não falam inglês e percebem que não sou daqui, ficam nervosos, sem entender o que estou fazendo na rua, me pedindo para ir pra casa. A comunicação é difícil até pra explicar quando estou a caminho do mercado. Se não justificar a saída, leva multa."

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Adriano Leal é guia turístico Foto: Arquivo Pessoal

Adriano Leal Está em: Bangcoc, Tailândia Tenta voltar para: Vitória da Conquista (BA)

Adriano é guia turístico e ficou sem trabalho por causa da pandemia. Ele conta que seu "carro-chefe era levar grupos de estrangeiros" para conhecer atrações turísticas. Ele ficou isolado na Tailândia e também comentou sobre o olhar desconfiado da população local para estrangeiros.

"Perdi o trabalho, toda a minha fonte de renda, e consegui chegar em Bangcoc. Minha intenção era ir para Luxemburgo e tentar trabalhar por lá. Mas minha passagem foi cancelada, não tive mais respostas. Estou vivendo de doações", contou. Adriano buscou o consulado brasileiro para ser repatriado e voltar para sua cidade natal, Vitória da Conquista, na Bahia. "O consulado só manda informações rasas. É o mesmo comunicado de sempre, de maneiras diferentes para escrever: 'não temos ideias de quando vocês vão voltar'".

São 238 brasileiros listados pela embaixada que tentam voltar da Tailândia. Adriano divide um quarto de hostel com oito pessoas. Eles dormem em beliches apertados com um plástico vermelho cobrindo cada beliche para tentar diminuir o risco de contaminação. "O lugar também está infestado de baratas. Não durmo."

Nayara Maria Almeida Cerqueira (à dir.), 34 anos, funcionária pública, com a mãe e a filha Foto: Arquivo Pessoal

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Nayara Maria Almeida Cerqueira, 34 anos, funcionária pública Está em: Penitro, na Itália Tenta voltar para: Salvador (BA)

Nayara viajou para a Itália com a filha e uma tia no mês passado para visitar a irmã que vive na cidade de Penitro, a uma hora de Roma. "A gente pretendia tambémtrazer de volta minha mãe, que viajou no final do ano passado para acompanhar o nascimento do meu sobrinho."

O retorno estava marcado para 17 de março, mas no dia 12, cancelaram. Segundo Nayara, houve só um caso de coronavírus em Penitro até agora, mas todos estão cumprindo a determinação de isolamento social. "Há um pouco de fila nos supermercados porque a entrada é limitada. Geralmente na entrada é disponibilizado álcool (em gel) e luva para os clientes."

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A família pretende retornar para Salvador, mas ainda não tem data para retornar. Nayara trabalha como funcionária pública em Aracaju e a tia e a mãe vivem na Bahia. "A maior dificuldade é a questão da ansiedade, o consulado só manda preencher formulário. Minha mãe é idosa, faz uso de medicação, tem chorado bastante. Por sorte, estamos na casa da minha irmã. Mas está muito complicado."

João Neves, 44 anos, corretor de imóveis Foto: Arquivo Pessoal

João Neves, 44 anos, corretor de imóveis Está em: Playa Las Flores, El Salvador Tenta voltar para: São Vicente (SP)

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O corretor de imóveis João Neves, de 44 anos, tirou uns dias de férias com a intenção de ficar isolado do resto do mundo numa praia deserta em El Salvador. Mas o sonho de surfar em paz virou pesadelo por causa da pandemia. Com a determinação de quarentena no último dia 23 no país da América Centreal, ele teve de ficar trancado na pousada. "Não posso sair nem para fazer compras, sem autorização do governo."

João está em Playa Las Flores, a quatro horas de carro da capital, San Salvador. Faz duas semanas que ele mantém contato com a embaixada brasileira. "Me falaram para pedir ajuda a familiares e amigos. Foi o que fiz. Também fiz acordo com a pousada para que a fatura deste mês caia somente no mês que vem."

A comida tem sido comprada por um rapaz e uma moça que cuidam da pousada. Existe uma cota para cada um que foi determinada pelo governo. "Sou o único turista que sobrou aqui", disse. É a segunda vez que João viaja a Playa Las Flores.

"Aqui é afastado de tudo, não tem aglomeração, não tem noite para sair e bagunçar, apenas paz, ondas... De repente tudo foi mudando, a cada dia eu conhecia novas limitações e parecia que a qualquer momento eu seria preso. O medo foi tomando conta e a sensação de impotência é enorme.

Ele optou por não ir à capital com receio do vírus. Por um grupo de whatsapp, se mantém atualizado sobre a data do possível retorno. "Existe a possibilidade de um voo que busque os brasileiros de toda América Central. Mas é difícil devido à relação diplomática de todos estes países e sua maioria estar com o espaço aéreo fechado", declarou.

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No total, são 149 brasileiros que estão na América Central e buscam retornar ao Brasil, segundo o Itamaraty. São 49 brasileiros na Costa Rica, 19 em El Salvador, 33 na Guatemala, 29 em Honduras e 18 no Panamá. 

Após a publicação da reportagem, Neves entrou em contato com o Estado para dizer que seu voo de repatriamento estava marcado para o sábado, 10, às 8 horas de El Salvador. 

Julia de Souza Lima, 31 anos, relações públicas Foto: Arquivo Pessoal

Julia de Souza Lima, 31 anos, relações públicas Está em: Gioia del colle, na Itália Tenta voltar para: Porto Alegre (RS)

Julia estava no meio de um mochilão pelo mundo quando se viu no epicentro da pandemia. Depois de viver na Austrália, ela se mudou em junho do ano passado para a Itália em busca da cidadania europeia. A intenção era seguir para Londres em seguida. "Mas diante desse caos, optei por retornar ao Brasil e ficar perto da minha família. Faz dois anos que não os vejo."

O passaporte europeu saiu em março, mas de nada adiantou. Julia iria começar a trabalhar em um restaurante na Itália para juntar dinheiro, mas por causa do isolamento social, ficou sem nada. "Estou há dez meses sem trabalho. Minha família no Brasil também foi atingida pela crise e não consegue mais me ajudar."

Julia toma remédio para depressão. Ela divide um apartamento com outras quatro pessoas. "O clima é de caos mesmo. Para você ter noção, a polícia local acabou de parar um cidadão porque está andando na rua sem máscara. Não tenho mais estrutura financeira e emocional de permanecer aqui."

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