23 de abril de 2022 | 05h00
Na geração dos meus pais, pessoas sofriam de úlcera estomacal. Muitos pensavam que era causada pelo estresse da vida moderna. Tudo começou a mudar em 1982 quando dois cientistas australianos, Barry Marshall e Robin Warren, descobriram no estômago de pacientes com úlcera uma nova bactéria chamada Helicobacter pylori. Essa descoberta permitiu que as pessoas com gastrite e úlceras fossem simplesmente tratadas com antibióticos capazes de matar essa bactéria. Por terem demonstrado que esses doenças eram causadas por bactérias, e portanto não passavam de doenças infecciosas, os dois cientistas receberam o Prêmio Nobel em 2005.
Se você leu esse artigo até aqui deve estar se perguntando o que essa história tem a ver com o câncer de próstata. A novidade é que um grupo de cientistas resolveu investigar as bactérias presentes na próstata de pessoas sadias e das que sofrem com câncer de próstata, um estudo semelhante ao que levou à descoberta da bactéria que causa a úlcera. E os resultados são animadores.
O que determina nossa flora intestinal
O câncer de próstata é o mais frequente em homens, se excluirmos os de pele. Na maioria, esse tumor se desenvolve lentamente. O problema é que existe uma fração desses tumores que é agressiva e pode matar rapidamente. Como os métodos para saber se um tumor é lento ou rápido ainda são ruins, a maioria dos médicos e pacientes prefere retirar a próstata assim que um tumor é detectado.
Nesse novo estudo os cientistas extraíram amostras de próstata e de urina de centenas de pessoas saudáveis e pacientes com tumores de próstata. Sequenciando o DNA dessas amostras e procurando sequência típicas de bactérias, os cientistas descobriram quatro novas espécies de bactérias presentes na próstata. A presença está associada a tumores e, mais importante, aos mais agressivos.
Essa descoberta provocou o inicio de estudos para descobrir se essas bactérias são a causa dos tumores ou do seu espalhamento pelo corpo. Além disso, vai ser possível investigar se tratamentos com antibióticos podem prevenir, curar, ou evitar metástases. Esse resultado é preliminar, e o impacto dessa descoberta no tratamento dos tumores ainda é desconhecido: tanto pode modificar radicalmente essa área da oncologia (como aconteceu no caso das bactérias intestinais), como pode ser irrelevante. É cedo para saber.
* É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS
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