Carteiro, jornalista, profissional do sexo: governos aumentam categorias com prioridade na vacina

Ministério da Saúde aumentou número de profissionais com direito a avançar na fila, enquanto gestores locais adotaram regras próprias. Especialistas fazem ressalvas à falta de diretriz única

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Por Bruno Luiz e Cindy Damasceno
Atualização:

Desde o fim de 2020, o plano nacional de vacinação contra a covid-19 já previa prioridade a algumas categorias profissionais, como trabalhadores da saúde e da educação. Ao longo da campanha de imunização, porém, o número de grupos com esse direito só aumentou. De um lado, o governo federal colocou mais profissões na frente da fila, como bancários e carteiros. Do outro, Estados e prefeituras têm adotado regras próprias.

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Apesar de o Programa Nacional de Imunização (PNI) definir prioridades, conforme idade, comorbidade ou atuação profissional, não é ilegal que gestores estipulem parâmetros regionais. Especialistas, no entanto, veem com ressalvas a falta de diretriz única e acreditam que isso pode atrasar o ritmo da vacinação. 

Bahia, Maranhão, Goiás, Rio Grande do Norte, Roraima e Piauí, além da prefeitura de Cuiabá, colocaram entre os preferenciais trabalhadores da comunicação - categoria ausente do plano nacional de vacinação. Em ao menos dois casos, a medida foi parar na Justiça.  

Drive-thru da campanha de vacinação contra a covid-19 em São Luís, no Maranhão; o Estado está entre os que consideram os trabalhadores da comunicação parte do grupo preferencial Foto: Divugação/Governo do Estado do Maranhão

No Rio Grande do Norte, a Justiça suspendeu a decisão de vacinar profissionais da comunicação e também os de assistência social. Já o Ministério Público baiano recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar as doses para jornalistas. O ministro Dias Toffoli, porém, não viu irregularidade e negou o pedido no início do mês. 

O governo potiguar disse se orientar com base em orientações do Ministério da Saúde, exceto no caso do grupo da assistência social. A Bahia destacou que as decisões são tomadas de forma bipartite, entre Estado e municípios. Disse ainda que só 10% das doses são reservadas para grupos preferenciais e o restante (90%) segue o critério da idade. 

Roraima informou ter incluído profissionais da imprensa após pedido do sindicato, que justificou ser atividade essencial e estar na linha de frente, mas que agora segue apenas o critério da faixa etária. O Maranhão afirmou tomar decisões em consonância com notas técnicas do ministério. Os demais governos não se manifestaram. 

Oficial de Justiça foi outro grupo contemplado por Piauí e Distrito Federal, após a categoria indicar ser da linha de frente, indo às ruas para garantir a prestação jurisdicional. O governo do DF disse seguir definições técnicas federais e informar ao ministério sobre as escolhas. Procurado, o Piauí não comentou.

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Campinas, por sua vez, incluiu profissionais do sexo entre os prioritários. A prefeitura da cidade do interior de São Paulo disse ao Estadão que a estratégia para definir população vulnerável foi realizada pelo município e comunicada ao Estado. 

Ex-coordenadora nacional do PNI, Carla Domingues alerta que a inclusão indiscriminada, sem orientação central do ministério, faz com que o Brasil tenha ritmo desigual de vacinação entre os Estados.“Na medida em que o próprio Ministério da Saúde delegou que Estados e municípios definissem suas políticas de vacinação, perdemos a homogeneidade de um plano nacional, com regras únicas para o País. Vemos cada Estado definir faixas etárias diferentes, públicos diferentes. Isso faz com que a população fique confusa”, critica. 

Uns entram; outros não saem do papel

Enquanto em parte das regiões o número de categorias aumenta, em outras a falta de um pacto nacional faz com que a priorização não saia do papel. No início do mês, o Ministério da Saúde decidiu incluir bancários e carteiros no rol dos preferenciais e, depois, chegou a recomendar que 20% das vacinas fossem reservadas para funcionários dessas áreas. 

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Ao anunciar o novo grupo, o ministro Marcelo Queiroga destacou o peso econômico da decisão. "Os bancários são fundamentais para que nossa economia continue fluindo”, disse. "(O presidente Jair) Bolsonaro desde o princípio ressaltou a importância de conjugar assistência de saúde e manutenção da economia."

O Distrito Federal, que tem sido cobrado para ter um ritmo mais veloz na vacinação, já havia anunciado em junho a inclusão dos bancários na lista, mas recuou no começo de julho diante de manifestação contrária do Ministério Público. Com a suspensão, a categoria ameaçou greve, mas a decisão federal veio na semana seguinte. 

Já na cidade de São Paulo, a imunização dessas duas categorias segue fora do horizonte. A Prefeitura da capital não fixou data para iniciar a aplicação de doses em bancários e carteiros. Na semana passada, o Sindicato dos Bancários enviou ofício ao Município, justificando que a categoria é serviço essencial e não parou durante a pandemia. Também citou exemplos de cidades da região metropolitana que já começaram a vacinação desses grupos, como Barueri e Embu-Guaçu. 

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Na capital paulista, mesmo a imunização de grupos incluídos desde abril na lista dos preferenciais ainda não foi realizada. Os garis chegaram a cruzar os braços por 24 horas em junho em protesto por imunizantes, mas até hoje não foram chamados - diferentemente de outras cidades, como Rio, Belo Horizonte e Goiânia. Procurada na semana passada sobre a data para convocar os trabalhadores da limpeza urbana, a secretaria paulistana disse apenas seguir orientações dos planos estadual e nacional de imunização. 

Na disputa para decidir quem vacina primeiro, lobby sindical e interesses políticos podem pesar. “É difícil medir o risco de uma categoria, isso não deve ser o principal critério”, diz Carla Domingues. “A população se pergunta por que o município vizinho está com a vacinação mais avançada que o dela, se desloca para ser vacinada em outro município. Desorganiza todo processo. Será que as pessoas retornam ao local para a 2ª dose?”, questiona a epidemiologista. 

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“Os critérios para definir quem são profissionais de saúde e a tal das comorbidades são desencontrados, por exemplo”, diz o médico epidemiologista Paulo Lotufo, da Universidade de São Paulo (USP), que viu problemas na definição dos grupos preferenciais desde o início da campanha. Na classificação de profissionais de saúde, por exemplo, a inclusão de psicólogos e veterinários chegou a causar polêmica em janeiro. Segundo ele, deve prevalecer o critério da faixa etária.

Carla concorda. “A vacinação deveria ter acontecido só por idade, com exceção de indígenas e grupos de comorbidades, profissionais da educação e forças de segurança, pois você faz uma vacinação mais justa, equitativa e até mais rápida porque você só precisa mostrar a caderneta de vacinação e comprovar idade”, argumenta ela, que chefiou o PNI entre 2011 e 2019. Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou. 

Congresso também quer incluir categorias

A pressão para acrescentar profissões à lista de prioritários também parte do Legislativo. Em junho, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que inclui uma série de categorias no rol preferencial. Na relação, estão trabalhadores já destacados como prioritários, como caminhoneiros e bancários. Mas também entram outros, como empregados domésticos, taxistas, motoristas de aplicativo e entregadores.

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