Casos de coronavírus fora da capital já são maioria no Rio de Janeiro

Desde o início da pandemia, a capital concentrava a maior parte dos infectados, situação que se inverteu no último fim de semana. Esse cenário, no entanto, não representa um controle na cidade do Rio, alertam especialistas

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Por Fabio Grellet e Marcio Dolzan
Atualização:

Os casos confirmados do novo coronavírus fora da capital do Rio de Janeiro passaram a representar, pela primeira vez, a maioria dos diagnósticos no Estado. Desde o início da pandemia, a capital concentrava a maior parte dos infectados, situação que se inverteu no último fim de semana. Esse cenário, no entanto, não representa um controle na cidade do Rio, alertam especialistas.

O Estado do Rio tem mais 120 mil infectados Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

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De acordo com dados de sábado, 4, o Estado do Rio tinha 120.248 pessoas confirmadas com coronavírus, das quais 50,09% tiveram diagnóstico fora da capital, nos 91 outros municípios fluminenses. Apesar disso, o problema parece seguir bem perto da maior cidade do Rio. Ainda que a pandemia esteja se alastrando para todos os cantos do Estado, é nas cidades mais próximas à capital que há o maior número de notificações.

Especialistas veem ligação entre a abertura promovida na capital e o aumento nas cidades vizinhas. "Do ponto de vista geral, o fato de você ter uma região que aparentemente está melhorando - mas os números mostram que não está - tem uma influência muito grande. A região metropolitana tem uma conurbação muito grande. É um vaivém intenso de pessoas para a capital todos os dias", aponta o professor de Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe/UFRJ Guilherme Horta Travassos.

Travassos integra o grupo de trabalho multidisciplinar da universidade para combate ao coronavírus e, segundo ele, esse aumento de casos fora da capital já era esperado. O professor alerta, contudo, que os números seguem sendo muito altos no contexto da pandemia. "A velocidade de propagação (atual) é relativamente alta considerando o tempo que a gente está neste processo epidêmico. Os primeiros casos foram notificados em fevereiro, e a recomendação de isolamento foi feita no início de março. Apesar disso ainda não conseguimos baixar (o fator de reprodução do vírus) a menos de 1 em nenhum lugar."

O fator representa a quantidade de pessoas para quem um infectado, em média, passa a doença. Para o combate à pandemia ser considerado satisfatório, o número deve ficar abaixo de um. E, segundo Travassos, o melhor que a capital fluminense conseguiu até hoje foi chegar a 1,3 - isso antes de afrouxar as regras de isolamento.

Especialista em saúde pública, o pesquisador Diego Ricardo Xavier, da Fiocruz, também vê a reabertura no Rio como uma das razões para o aumento de casos de covid-19 em outras regiões do Estado."A doença demorou mais a chegar ao interior exatamente por conta do fechamento da capital. Reabrindo a capital, o interior fica mais sujeito porque há uma rede de influência inevitável", comenta.

Xavier aponta para outro risco. "No Rio, a dependência da capital em termos de rede de saúde é muito maior do que em São Paulo. A estrutura hospitalar está concentrada na capital", lembra. "Se a reabertura provocar uma nova demanda por hospitais no município do Rio, a situação vai complicar, porque serão duas demandas, da capital e do interior. É muito importante que não exista essa conjunção."

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Doença avança em quatro regiões do Estado

Dados analisados pelo grupo de trabalho da UFRJ apontam que o coronavírus está em franca expansão em quatro regiões do Estado: Centro-Sul, Noroeste, Norte e Médio Paraíba. "A velocidade de transmissão tem flutuado. As pessoas ficam falando de primeira onda, segunda onda, terceira onda de transmissão, mas na verdade nunca saímos da primeira", considera Travassos.

O professor considera que a reabertura da capital foi precipitada. Para ele, o argumento baseado na diminuição das taxas de ocupação em hospitais precisa ser visto como um dos fatores, e não como o principal.

"Esse era um elemento fundamental lá atrás, mas muito se fez, muito se aprendeu, os protocolos evoluíram. Talvez a antecipação do risco tenha permitido tirar as pessoas do hospital, mas não eliminou a doença", diz Travassos. "Os hospitais estão mais vazios, mas o número de óbitos domiciliares aumentou."

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O pesquisador reitera ainda que, ao reabrir o comércio e as indústrias, a transmissão poderá se dar dentro desses locais e ter uma consequência econômica ainda pior. "Quando alguém é infectado, a recomendação é que ele e quem teve contato com ele fiquem quinze dias afastados. Imagina isso numa empresa", diz.

A reabertura na capital é conduzida pelo prefeito Marcelo Crivella desde 1º de junho. A gestão diz agir "com total preocupação em preservar vidas" e prevê um processo em seis fases acompanhadas por Comitê Permanente de Gestão e Execução do Plano de Retorno, "que atuará com muito diálogo e transparência". "A decisão pela adoção desse planejamento foi unânime por parte do comitê médico-científico que assessora a prefeitura", diz a gestão Crivella, de acordo com comunicado público.

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