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CFM restringe nº de embriões em reprodução assistida e mulheres veem risco de custo mais alto

Limite foi criado em nova regra do Conselho de Medicina, que também estabeleceu a necessidade de pedir autorização da Justiça para descartar embriões congelados. Órgão destaca questões éticas

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Por Roberta Jansen
Atualização:

RIO - Em nova resolução, o Conselho Federal de Medicina (CFM) determinou que o número de embriões humanos gerados em laboratório não pode passar de oito em tratamentos de reprodução assistida no País. Até a publicação da nova regra, no último dia 15, não havia um limite determinado. Grupos de mulheres veem um risco de os tratamentos se tornarem menos efetivos e mais caros e estão encaminhando ao CFM um abaixo-assinado pedindo a revisão da resolução. Parte das entidades da área também enviaram questionamentos ao órgão.

CFM mudou regras para a reprodução assistida Foto: Kacper Pempel/Reuters

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Como não existe lei sobre a reprodução assistida no País, a prática é regulada pelas resoluções do CFM. A nova resolução (2.294/21) substitui a anterior, de 2017. Outra mudança trazida pelas novas regras diz respeito à redução da quantidade de embriões que podem ser transferidos para o útero de uma mulher, conforme a faixa etária. A resolução estabelece ainda a necessidade de uma autorização judicial para o descarte dos embriões excedentes, o que não era necessário.

A novidade mais polêmica é a limitação do número de embriões gerados em laboratório. Na prática da reprodução assistida, os médicos estimulam (por meio de injeções de hormônio) uma ovulação em excesso por parte da mulher interessada em engravidar. Os óvulos são, então, coletados e fecundados no laboratório.

Nesse processo, é comum que o médico tente fertilizar o maior número possível de óvulos para poder ter mais garantia de que alguns serão efetivamente transformados em embriões (é impossível saber quantos) e, eventualmente, poder selecionar os que têm mais chance de se desenvolver depois de implantados no útero.

Para médicos especializados em reprodução assistida, oito embriões podem ser mais do que suficientes no caso de mulheres jovens, de até 35 anos, com problemas simples de infertilidade.

No entanto, segundo eles, praticamente inviabiliza a prática em mulheres com problemas genéticos hereditários (em que a maioria dos óvulos precisa ser descartada) ou até mesmo aquelas commais de 40 anos, quando os óvulos em geral estão mais envelhecidos e as chances de fecundação são muito menores. Ou seja, provavelmente essas mulheres terão de se submeter a mais de um ciclo para conseguir embriões viáveis. Cada ciclo custa, em média, R$ 20 mil.

“Nossa preocupação é que essa alteração pode reduzir as chances de a mulher engravidar, além de onerar ainda mais os casais, de forma física, emocional e financeira”, afirma a presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, a ginecologista Hitomi Nakagawa.

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“Diminui consideravelmente as chances de se obter embriões viáveis, especialmente para as pacientes submetidas ao tratamento de reprodução humana por baixa reserva ovariana e má resposta ovariana”, diz Camila Frassati, uma das autoras do abaixo-assinado, responsável pelo blog FIV Depressão.

“A limitação numérica importará obrigatoriamente em aumento substancial nos custos do tratamento para todos os pacientes, podendo, inclusive, inviabilizá-lo pelo encarecimento, já que se trata de recurso terapêutico 100% financiado de forma privada.”

Segundo o CFM, “a limitação do número de embriões gerados foi decisão do plenário do órgão que, após análise da legislação vigente, entendeu ser esse número o limite para que o médico não infrinja o parágrafo 1º do artigo 15 do Código de Ética Médica”.

Mas ressalva: “É importante destacar que esta resolução não encerra os debates sobre as técnicas e práticas da reprodução assistida e que, assim como nos normativos anteriores, o CFM segue aberto a receber contribuições para que possa aprimorar a regulamentação sobre esse tema tão relevante e que impacta na vida de tantas pessoas”.

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Outra alteração importante é a delimitação do número de embriões a serem transferidos para o útero da mulher que quer engravidar, conforme a idade da receptora. Mulheres de até 37 anos podem implantar no máximo dois embriões. Acima desta idade, o limite é de três. Na resolução anterior, o limite era de dois embriões para mulheres de até 35 anos, três embriões para mulheres de 36 a 39 anos, e até quatro embriões para as que tinham mais de 40 anos.

O relator da nova resolução do CFM, Hiran Gallo, destacou por ocasião do lançamento das regras que “os avanços tecnológicos e a melhoria das taxas de gravidez possibilitaram a redução no número de embriões transferidos com redução no risco de gestação múltipla”.

Hitomi Nakagawa, da Sociedade de Reprodução Assistida, concorda com o relator nesse aspecto. Segundo ela, a tecnologia de fato avançou e as mesmas taxas de sucesso podem ser obtidas mesmo com as novas limitações, reduzindo os riscos de gravidez de gêmeos.

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“Reprodução assistida post mortem”

Como previsto desde 2017, a chamada “cessão temporária de útero” é permitida desde que a gestante pertença à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau. A nova resolução acrescenta que a gestante deve ter pelo menos um filho vivo. No Brasil, se evita o termo “barriga de aluguel” porque a cobrança pelo procedimento é proibida.

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A nova resolução garante o uso das técnicas de reprodução assistida por heterossexuais, homoafetivos e, agora também, transgêneros – que não eram citados explicitamente nas resoluções anteriores.

O documento também expressa a “gestação compartilhada” nas uniões homoafetivas femininas, em que o embrião obtido a partir da fecundação dos óvulos de uma das mulheres é transferido para o útero de sua parceira – o que permite a dupla maternidade.

As novas regras tornam mais clara a permissão para a reprodução assistida post mortem, desde que haja autorização específica do falecido para o uso do material genético crioperservado. O tema foi alvo de discussão no início deste mês, quando um julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) impediu uma viúva de realizar a fertilização.

Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), a advogada Maria Berenice Dias destaca na nova resolução o uso da expressão “gestação compartilhada” e também a inserção, agora de forma mais explícita, das pessoas transgêneras entre aquelas que têm direito à reprodução assistida.

Ela lamenta, no entanto, o acréscimo de mais um requisito para a “gravidez por substituição”, a de que a gestante, além de ser parente, já tenha um filho.“A própria exigência do vínculo biológico não se justifica”, diz a advogada. “Se essa limitação decorre de uma tentativa de coibir pagamento ou remuneração, essa restrição já existe. Esse requisito acaba cerceando o direito constitucional à forma de constituir família.” Para a especialista, a regra é “hipócrita” e traz um “resquício conservador”, “um biologismo”.

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Aval da Justiça para descartar embriões também cria polêmica

A presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Hitomi Nakagawa, ainda acrescenta que a judicialização do descarte de embriões congelados pode “aumentar ainda mais o número de embriões abandonados nas clínicas de reprodução”.

“O CFM está sempre na vanguarda das resoluções”, elogiou o ginecologista Edson Borges Jr., especialista em medicina reprodutiva. “Mas essa nova resolução traz dois pontos preocupantes: a limitação do número de embriões que pode ser produzido em laboratório e a necessidade de autorização judicial para descarte de embriões congelados.”

Segundo ele, membros da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida e da Pró-núcleo, uma entidade que reúne embriologistas, já estão em negociação com o CFM para tentar alterar esses pontos.

Em nota, o CFM explicou que “o pedido de autorização judicial visa a impedir o descarte dos embriões pelas clínicas de fertilização à revelia dos responsáveis sob alegação de abandono. Com essa exigência, o processo passará a ser ainda mais transparente e sob controle”.

Conforme a Anvisa, o Brasil tem 183 centros de reprodução assistida. Em 2019 foram realizados 44 mil procedimentos de fertilização in vitro, o que representa alta de mais de 100% desde 2012. No período, para cada embrião implantado no útero de uma mulher, quatro foram descartados. Ainda segundo a agência, aproximadamente 100 mil embriões estão congelados nas clínicas de reprodução do País.

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