Chás de calcinha celebram desfralde

Famílias fazem festa e presenteiam crianças com roupas íntimas; especialistas alertam que incentivo não pode se tornar motivo de pressão

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Por Julia Marques
4 min de leitura

SÃO PAULO - Quando Valentina, de 3 anos, deixou de usar fraldas, a família fez festa – com direito a bolo, docinho e decoração. O chá de calcinha – ou de cueca –, como é conhecida a celebração do desfralde, virou moda entre mães que não querem deixar passar em branco o momento, um marco no desenvolvimento da criança. Em geral, a comemoração é íntima e reúne poucos convidados. Para especialistas, a festa pode ser um incentivo desde que não seja mais um motivo de pressão.

“O pessoal levou calcinhas de presente para ela e, até na hora do parabéns, cantamos uma música diferente, que dizia que ela já é uma mocinha”, conta a professora Marcela Scatigno, de 32 anos, mãe de Valentina. A festinha da menina, no início de setembro, veio após longo processo de desfralde, que começou em janeiro, com recaídas.

Marcela Scatigno, de 32 anos, fez uma festa para comemorar o desfralde da filha Valentina, de 2 anos e 10 meses Foto: Hélvio Romero/Estadão

“Como ela gosta muito do parabéns e de soprar velas, veio a ideia. Falei: ‘Se você continuar assim (sem fazer xixi na roupa), a mamãe vai comprar um bolo, vai ter parabéns e docinho. Isso começou a empolgá-la.” Por 15 dias, Marcela lembrou a filha da promessa e, nesse período, a criança avisou todas as vezes quando queria ir ao banheiro.

O chá de calcinha da menina reuniu os avós, uma vizinha e um casal de amigos dos pais. “Minha mãe achou bobagem. Ela diz que não tem mais o que inventar. Mas é uma conquista para a Valentina”, justifica Marcela. Hoje os escapes de xixi são raros. A menina já leva até as “filhas” para o vaso. “Às vezes ela fala: ‘Mamãe, xixi’. Eu levo ao banheiro e quem quer fazer é a boneca”, conta a professora.

Quem também se rendeu à festinha foi a família da Ayla, de 2 anos e 2 meses. “Eu tentei (desfraldar) uma vez uns três meses antes, mas vi que ela não estava entendendo”, afirma Fabiola Cordeiro, de 33 anos. “A moça que toma conta dela foi quem sugeriu. E, juntas, começamos o desfralde. Porque não adiantaria nada uma começar e a outra não dar continuidade”, explica Fabiola, que trabalha na secretaria de uma escola. Na comemoração, tios e padrinhos marcaram presença. “Ela ficava dando tchau toda hora que via as fraldinhas coladas na parede.”

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Incentivo. Para Alexia, de 2 anos e 8 meses, a festa foi um incentivo a mais. “Na hora em que ela viu aquele tanto de calcinha, ficou louca. Queria colocar uma por cima da outra. A partir dali, ficou mais segura e entusiasmada. E, no dia seguinte, já queria tomar banho para colocar uma calcinha nova”, lembra a mãe Samantha Mezacasa, de 27 anos, que também comemorou o desfralde em outubro.

Mãe de três filhos – um mais velho e uma mais nova que Alexia –, Samantha conta que esperou a menina mostrar que estava incomodada com a fralda. “Ela começou dando sinais de que estava com nojo de fazer cocô na fralda. Quando fazia, ficava bem agoniada, pedia para tirar e chorava”. Samantha, então, ofereceu o penico e adaptou o assento do vaso.

Não demorou para que Alexia aprendesse a ir ao banheiro, mas, mesmo com a naturalidade do processo, foi preciso paciência. “Até no chá de calcinha ela fez xixi (na roupa). Mas toda vez que ela ‘errava’, eu agachava, olhava nos olhos dela e explicava que tinha de usar o penico”, afirma Samantha, que quer replicar o modelo com a caçula.

Samantha comemorou o desfralde de Alexia com uma festinha Foto: Samantha Mezacasa

Para a pediatra Marisa da Matta Aprile, da Sociedade de Pediatria de São Paulo, o desfralde é uma passagem importante para a criança. “É um momento legal para todo mundo e é um marco”, diz. Mas as famílias devem tomar cuidado para que as festinhas não saiam da intimidade familiar. “Fico imaginando se (os pais) comemoram e um amiguinho (da criança) vai à festinha e ainda não está conseguindo, está tendo escapes”, pondera. 

Já a psicóloga Izabella Barros destaca que a criança, na faixa etária em que geralmente o desfralde ocorre, não tem a percepção de si própria como um ser social. “Ela ainda é apresentada ao social pela família. Isso é muito mais uma questão da família, que vai mostrar, a partir desse ritual, para sociedade que a criança cresceu. A dimensão que um evento como esse alcança na criança é muito pequena”, diz ela, que é especialista em desenvolvimento infantil e na relação entre pais e filhos.

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