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‘Chegaram quase aos prantos, pedindo ajuda’, diz socorrista sobre falha no oxigênio de unidade de SP

‘Tudo isso tem abalado demais a nossa cabeça. Se não é a família a estar do nosso lado, a gente fica doido’; veja relato

Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue
Atualização:

Na manhã desta segunda-feira, 22, uma pane no sistema de oxigênio da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Tito Lopes, em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, levou à mobilização às pressas de ambulâncias do entorno para o empréstimo de cilindros. Após o apoio inicial do Samu, os pacientes foram transferidos para três hospitais do entorno. 

O Estadão falou com um dos socorristas que prestaram auxílio nesse momento, que se disse ainda muito abalado com o que testemunhou. Mas também orgulhoso pela atuação de todos os profissionais de saúde. 

UPA Tito Lopes, em São Miguel Paulista Foto: Prefeitura de São Paulo / Divulgação

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Com o agravamento da pandemia, a ambulância em que ele trabalha está sem maca, emprestada a uma UPA como leito provisório de internação. Isso tem restringido sua atuação a atendimentos de emergência antes da chegada de outro veículo que possa fazer o transporte.

Confira o relato abaixo:

“Eram entre 8h30 e 9 horas quando o pessoal chegou quase aos prantos, pedindo pelo amor de Deus que ajudasse eles, que tinha dado pane no sistema de oxigênio. Perguntavam se a gente podia ajudar com o oxigênio das ambulâncias. Cada ambulância tem dois oxigênios grandes e um pequeno. A gente emprestou esses torpedos (os grandes). 

A unidade estava lotada. A gente (duas equipes do Samu) tinha inicialmente quatro torpedos à disposição, porém não era suficiente porque a emergência estava muito cheia, por volta de mais de 15 intubados, que precisavam de oxigênio. 

Aí conseguimos mais via rádio, passamos o problema, e pedimos apoio para outras ambulâncias cederem um dos dois oxigênios grandes para a unidade. Autorizaram a gente também a ir até a nossa reserva, em Ermelino Matarazzo, pegar mais oito cilindros. Saímos em três ambulâncias para buscar, porque não pode ter mais de três em cada uma.

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Nesse meio-tempo, a administração da unidade conseguiu contato com o (Hospital) Tide Setúbal e conseguiu de cinco a sete vagas. Fizemos as remoções. Aí, voltou o sistema, teve pane de novo, mas a manutenção já estava no local.

Conseguimos salvar várias vidas. Não faltou suporte, não teve tumulto, todo mundo estava sabendo o que estava fazendo. Estávamos brigando contra o tempo, não estamos de brincadeira.

Quando vestimos o uniforme, a gente tenta fazer a diferença. Hoje, graças a Deus conseguimos fazer. Estou com meu emocional abaladíssimo. Foi uma situação de desastre. 

A gente sabe que o sistema sempre foi colapsado, mas está muito complicado. A gente não sabe de onde vem a culpa. Não sei falar se é federal, estadual, do próprio povo, que não respeita nada, infelizmente. A gente sabe que falta vergonha na cara dos políticos, que ficam empurrando um para o outro.

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A gente está na linha de frente correndo todo o risco. Hoje, estou muito abalado, precisei ir ao alojamento, tomei banho, chorei muito. Veio um colega parabenizar pela situação. Foi gratificante, emocionante. Isso tudo está abalando muito. 

Tive covid em abril, fiquei 12 dias internado. Estou com sequelas ainda, a minha esposa e eu. A gente vivencia isso, e vivencia na prática. Tudo isso tem abalado demais a nossa cabeça. Se não é a família a estar do nosso lado, a gente fica doido.

Tenho ainda dormência nas pernas e estou sem força nos braços por causa da covid, com dor nas articulações do cotovelo. Sem muita força para apertar a mão. Tive alta da pneumologista, e estou agora passando na neurologista. 

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Graças a Deus, estou vivo. E me arrastando de vez em quando para trabalhar."

Prefeitura diz que UPA teve ‘dificuldade técnica’

Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde afirmou que a UPA não teve desabastecimento, mas "dificuldade técnica" para a transferência do oxigênio para o tanque de armazenamento. A pasta confirmou que os pacientes foram encaminhados para os hospitais Professor Dr. Waldomiro de Paula, Tide Setúbal e Santa Marcelina, todos na zona leste. A situação foi denunciada pelo Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) após receber relatos de trabalhadores do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

"O órgão esclarece que não houve nenhuma intercorrência com os pacientes assistidos. Inclusive, a unidade dispõe de bateria de oxigênio para suporte aos pacientes", acrescenta a nota. "A Secretaria ainda esclarece que a Prefeitura de São Paulo estruturou todas as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) para que as suas emergências se transformassem em UTIs, para suportar a alta demanda de pacientes com covid-19."

Essa foi a 2ª vez em quatro dias que pacientes que precisavam de oxigênio foram transferidos em São Paulo. Na noite de sexta-feira, 10 pessoas com sintomas de covid-19 que estavam internadas na UPA de Ermelino Matarazzo, também na zona leste, foram remanejados de unidade após atraso no fornecimento do insumo, o que foi negado pela empresa responsável.

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