Ciência mais perto de resolver o enigma dos raios cósmicos

Colaboração internacional de cientistas rastreia origem dos raios em galáxias que cercam a Via-Láctea

PUBLICIDADE

Por Carlos Orsi
Atualização:

As partículas mais energéticas que atingem a atmosfera da Terra viajam centenas de milhões de anos-luz pelo espaço e, muito provavelmente, nascem em buracos negros gigantes, no núcleo de outras galáxias. As duas conclusões são apresentadas por um consórcio internacional de cientistas  - incluindo brasileiros - na edição desta semana da revista Science. Raios cósmicos de alta energia são partículas, como prótons ou núcleos de átomos, que se vêem aceleradas a velocidades próximas à da luz e acabam se esfacelando ao colidir com as camadas superiores da atmosfera terrestre. Algumas dessas partículas, as de chamada ultra alta energia, são tão raras que até mesmo sua natureza exata ainda é um mistério. O que se sabe é que as colisões dessas partículas com a atmosfera geram fragmentos, que voltam a se chocar com o ar e produzem novos fragmentos, numa cascata que pode acabar sendo detectada pelo Observatório Pierre Auger, localizado em Mendoza, na Argentina. Embora raios cósmicos bombardeiem a Terra continuamente, os raios de energia muito alta e ultra alta são raros: enquanto os raios comuns atingem a atmosfera da Terra à taxa de uma partícula por metro quadrado por segundo, cada quilômetro quadrado da atmosfera é atingido por apenas um raio de alta energia, em média, a cada século. Lutando contra essas probabilidades, o Auger ocupa uma área de 3.000 km2. Como resultado, desde 2004 foram detectados 77 eventos de alta energia, sendo 27 de energia extremamente alta. Esses números já representam um recorde na área. Para precisar a posição original do núcleo que veio do espaço e desencadeou o chuveiro de partículas, o Auger se vale de detectores dotados de cronômetros com precisão de bilionésimos de segundo. "O chuveiro de partículas tem uma frente, uma borda com o formato de uma panqueca", explica o físico da Unicamp Carlos Ourivio Escobar, coordenador da Colaboração Pierre Auger no Brasil. "Se essa panqueca chega inclinada, uma de suas bordas toca os detectores primeiro, e as demais partículas são detectadas em seguida". Com a cronometragem precisa, o equipamento consegue triangular o ponto de origem do chuveiro. Além dos detectores no solo, o Auger conta com telescópios que registram a cintilação, produzida na atmosfera, pelo choque das partículas com os átomos de nitrogênio do ar. "Essas cintilações formam um rastro", diz Escobar. Descobertos em 1962, os raios cósmicos de alta energia representam um mistério científico. Enquanto os raios comuns podem ser explicados por processos que ocorrem dentro da Via-Láctea - alguns são produzidos pelo próprio Sol -, os de alta energia não contam com uma origem plausível em nossa galáxia. Nem mesmo o buraco negro no núcleo da Via-Láctea é poderoso o bastante para criá-los. Agora, os dados levantados pela Colaboração Pierre Auger indicam que a distribuição de origens dos raios de alta energia acompanha a distribuição de galáxias próximas à nossa. Isso sugere que as partículas estão sendo emitidas pelo núcleo dessas galáxias, com buracos negros muito maiores e muito mais ativos que o da Via-Láctea. A participação brasileira no Pierre Auger envolveu um investimento de US$ 3,5 milhões, originado na Fapesp e em órgãos federais e gerenciado por Escobar. O físico acredita que essa participação é importante para a ciência nacional. "O grupo brasileiro está envolvido desde o começo", diz, notando que se trata de uma parceira de 17 países. "Participamos no mesmo nível dos países mais desenvolvidos, com impacto do ponto de vista da maturidade científica brasileira". Escobar destaca que parte dos equipamentos para o observatório foi desenvolvida por empresas brasileiras. Além do observatório na Argentina, a Colaboração Pierre Auger prevê a construção de uma instalação semelhante no Hemisfério Norte, para complementar as observações feitas ao sul do equador. O local escolhido tem uma área muito maior que a do observatório argentino, com cerca de 10.000 km2, no Estado de Colorado, nos EUA. "Com uma área maior, será possível acumular mais estatística na parte de ultra alta energia do espectro de raios cósmicos", explica o físico Edivaldo Moura Santos, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que também atua no Pierre Auger. "A importância desses raios é que são tão energéticos que mesmo os campos magnéticos em nossa galáxia são incapazes de desviá-los de modo substancial". Com isso, diz Santos, será possível fazer astronomia com partículas carregadas, usando fragmentos de átomos da mesma forma que os telescópios convencionais usam raios de luz.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.